Wednesday, August 26, 2009

Uma gota de Universo
Caiu-me na renúncia
Á esperança

O sonho duplicou-se
De ambrósia
E o amor tornou-se rei.

Marcar a folha
Com a marca da palavra
Para haver mais
Para ser mais

E com a marca da palavra
Entrar dentro do corpo
De quem lê
Através dos olhos
E pela voz que lê
Dentro

A palavra
Feita de pontos e linhas
E sons dentro da cabeça
Que por um código
Que existe
Apenas porque sim
Evoca
Invoca
Sensações
Imagens
Memórias
Significados

Esta palavra
Aqui escrita
E lida
Agora
Deixará de ser palavra
Quando não estiver ninguém
A lê-la

Nesse momento
Já não é palavra
Será apenas pontos e linhas

Ou já será coisa nenhuma
Porque não haverá alguém
Que veja e sinta
Que é alguma coisa

Assim, esta palavra
Daqui a pouco
Já não será.

Liberdade
Escusa
Esquina
Difusa
Reserva de sonho
Recusa

Centro
Invisível
Ser o
Possível
Sondar a presença
Desnível

Religião
Certeza
Vida
Represa
Perder a conquista
Torpeza

Palavra
Verso
Ser o
Inverso
Escrever a impulso
Imerso

Gestos fragmento
De sentir disperso.

Monday, August 24, 2009

Raiar penumbra
No recôndito espaço
Solene
Da solidão

Pátria sanguínea
Recobro da ternura
Deslumbramento

Luz confessa
Regressada à noite
Após a batalha
De ser gente

Ser vítima
È o estatuto
Dos esquecidos
De si.

Thursday, August 20, 2009

Dizem
Ao homem
Pequeno
Que é livre

E ele acredita
Até houve
Uma revolução
Para o libertar

E assim
Ele
Livremente
Escolhe
A servidão.

Corpo
Preso
Á máquina
Estilizada
Esterilizada
Brilhante
Cortante
Que o alimenta
Fragmenta
Dormenta
Automatiza
Des-somatiza
E o corpo
Autoriza.

Todo o homem
Nasce
De mulher

No caminho
Para ser
Homem

Tem de separar-se
Largar
A casa
Do feminino

E voltar
Quando quiser
Tornar-se Pessoa.

Sunday, August 16, 2009

A procura de sentido
Esgota-se no sentido
Da procura

Procurar o sentido
Separa o sentido
Do sentir

Sentir o sentir
Sem procurar
O sentido

Dá sentido ao sentir
Sem sentido encontrar
Por sentir se bastar.

Thursday, August 13, 2009

Para a vastidão cósmica
Uma galáxia é mais pequena
Que um átomo para um homem

O universo fica impassível
Infinitamente indiferente
À morte de um homem

Mas quando morre
Um homem
Morre um universo.

Antes do princípio
De tudo
Não havia antes
Nem tudo
Nem havia não haver

Havia nada
Que não havia
Porque para haver
Nada
Teria de haver
E nada havia

Antes do princípio
Não havia fim
Porque não havia
Que fosse
E acabasse

Antes do princípio
Não havia
Quem pensasse
No que havia
Antes de haver pensar
E antes de haver que houvesse
Que desse que pensar.

Wednesday, August 12, 2009

Vento descalço
Delírio
Ombreira das sombras

Chuva imóvel
Cigarro
Cheiro de vidas opacas

Cristal difuso
Presente
Função de estar sozinho

Intenção reclusa
Desnorte
Rua sem regresso

Corpo escancarado
Fuga
Venda em que se perde

Olhar remoto
Ausência
Velho em tom criança.

Tuesday, August 11, 2009

A António Sarpe, mestre e amigo.

Suave como amanhecer
Desliza na força do corpo Mundo
Enraizado no coração

Alegria primavera
Ave do paraíso
Lançando a semente dourada

Abraços universais
Criam constelações de ser feliz
No ninho branco da esperança

Deus que é mais deus
Por ser o berço de deuses
No fulgor da doçura encantada

Palavra, carne e sangue fortaleza
Prazer de ter prazer no mar de ser grande
Cores da renascença da vida

Conquistaste esta praia com a nau do teu sorriso
Desfraldando o padrão da liberdade
E nós que te bebemos, encontrámos o tesouro.

Larga o riso, João
Senta-te à mesa direito
Com o peso do olhar que te põe freio

Sabes, João
Querer ser mais faz mal
Sonhar tira o pão da mesa

Pois é, João
Eu também nunca fiz o que quis
Temos de fazer sacrifícios para sermos alguém

Se eu me sinto alguém?
Não faças perguntas parvas
E come a sopa!

Diáspora inerte
Respiração nocturna
Fragmentos de sentir peremptório
Império ajoelhado a si mesmo

Realidades metafóricas equilibram-se
Na tristeza emprestada

Dormir é o desejo
De quem marcha em seu redor
Buscando a nota certa
Que alivie o acordar.

O ser deixou de só ser
Quando passou a existir
Olhou-se no espanto de si
Começando a reflectir

Ser só ser já não chegava
Precisava de sentido
“Se existo é para quê?”
Queria sentir-se cumprido

Ao descobrir-se mortal
Criou deuses eternos
Negou a vida acabar
Vieram céus e infernos

Para livrar-se do medo
Colou ordem ao caos
Tornou o mito em lei
Selando os bons e os maus

O medo que não acaba
Demarcou-se a terra
Sobre muros e estandartes
Começou-se a guerra

De tanto querer existir
Deu cabo da existência
Reaprender a só ser
Impõe-se a nova ciência

Bastar-se no que se é
Na luz de cada olhar
Em que tudo é perfeito
Por apenas ali estar.

Friday, August 7, 2009

Para os seres que são
E pensam no que é ser
Não ser é uma intrusão
Que não podem conceber

Só se conheceram sendo
Não sendo não se conheciam
Paradoxo tremendo
E do facto desconfiam

Não pode a morte ser morte
Traria o fim infinito
E num golpe de sorte
São salvos pelo mito

Já não morrem afinal
Porque matam o não ser
Acontece a vida total
Só depois de morrer.

Wednesday, August 5, 2009

“O que hei de fazer?”
Resigna-se o explorado
Desnutrido do poder
Que lhe mudaria o fado

Uma mão invisível
Pesada como aço
Limita-lhe o possível
Sustenta-lhe o cansaço

“Temos de produzir
Dar lucro ao país”
Repete a sorrir
Levantando o nariz

Orgulho de cego
Na sua falta de luz
Martelando no prego
Que o prende à cruz

A dominação é completa
Quando o dominado
Aceita como certa
A lógica do seu estado.