Tuesday, December 30, 2008

Meus amigos cães
Gostava que soubessem ler
Tal como sabem amar
E dar-me alegria pela vossa generosidade

Gostava que soubessem ler
Tendo eu o talento suficiente
E vos escrevesse um poema
Uma ode
Uma epopeia rimada
Algo de tanta elevação estética
Que vos conseguisse alcançar
Na vossa pureza afectuosa
No vosso brilho por me ver chegar
Na simplicidade sábia com que amam

Tivesse eu talento
Meus queridos cães
E vós soubessem ler
Escreveria belamente o amor que vos tenho
Para que o soubessem, meus amigos
Teriam dele mais certeza, talvez
Por o ver em coisa escrita.

Porém
Ainda bem que não sabem ler
Ainda bem que não tenho talento
Porque isto pouco importa
Quando daqui a pouco
Estiver no chão da sala
A rebolar-me convosco às gargalhadas
Enquanto tentam morder-me as orelhas.

Monday, December 29, 2008

É triste
Quando alguém morre

Mas é mais triste
Que alguém
Tenha feito alguém
Ficar tão triste

Que ninguém
Fique triste
Quando morre.

Tuesday, December 2, 2008

Quinta das Murtas - Sintra

A fonte pinga pequenos oceanos
Que sobressaltam o silêncio fresco
O verde eterno abraça a casa
Como nós nos abraçamos com o olhar

Tudo nasceu hoje
Tudo é agora
Nada há a vir
Aqui já está tudo o que há a sentir.

Thursday, November 6, 2008

Toco nestas teclas
Onde escrevo
Pensamentos
Tornaram-se vontade
Ou vontade tornou-se
Pensamentos
Não sei
Mas oiço esta voz por dentro
Que me dita o que escrevo
E o movimento nasce
Cresce até aos dedos
Que batem
E eu sinto o prazer
Deste toque
Que cria sentido
Para quem entender este código
Linhas e curvas pretas
Contra um fundo branco
Tornam-se sons
Dentro da cabeça de quem as ler
Isso evocará pensamentos
Imagens
Sensações
Noutro que não eu

Onde estiver a ler
Longe daqui
Onde escrevo
E eu
Imagino quem será
O que sentirá essa pessoa
Como será ser esse outro
Como será estar nessa pele
Nessa vida
E sinto-me próximo dessa pessoa
Por pensar nela
Por imaginá-la
Enquanto escrevo
Sentindo o toque das teclas
Nos meus dedos
Como se tocasse nessa pessoa
Dentro dela
Porque o que lê ouve por dentro
Com a sua voz
Por isso estou a tocar-lhe
A si
Agora
Por dentro
Neste momento em que lê.

Wednesday, November 5, 2008

Se te amasse
Um pouco mais
Seria Deus

Não sou Deus
Mas o teu amor
Torna-me divino.

A todos os meus amigos da Biodanza

Recriamo-nos
Nesta dança
Somos deuses
E criaturas
Num vórtice
Cósmico
Mitológico
Em cada toque
Abraço
Olhar
Evocam-se
As Grandes Histórias
Antigas
Primeiras
Somos Verbo
E somos carne
Sangue mais sangue
Amor mais amor
Atravessando a dor
Para o outro lado
Onde estamos
Á nossa espera
Connosco
Convosco
Somos tantos
E afinal
Somos só Um.

Wednesday, October 22, 2008

A caminho de Santiago com a vida às costas
Encontros sublimes com almas dispostas
Sacros Ofícios com tique de andaço
Gotejando o tempo ao ritmo do passo

Subindo as montanhas dentro de mim
Desertos de luta que ficam jardim
Estou-me mais perto de tanto andar
Mapas de mim só por respirar

O luxo de poisar o peso e o corpo
Dá-me céu por ter tanto em tudo tão pouco
Tudo é tão tudo e tudo é tão nada
E cada partida torna-se chegada

Dão-me laranjas e abraços de olhares
Bênçãos mezinhas e ventos solares
Encomendas de rezas aos pés do Santo
Madrugadas de chuva em mim como manto

Partilho-me em risos e bocados de pão
Durmo com estranhos que já o não são
Cada vez mais vida cada vez mais perto
O rumo que levo traz-me sempre desperto

Dou querer e presença e mais não tenho
Tudo é tão novo e tudo me estranho
Em tudo mais é o Caminho que manda
Em tudo o mais é o Caminho que me anda.

Friday, October 3, 2008

A tua carne é feita
Das palavras que te lançaram
Tens na pele o dicionário
Da língua que não escolheste
Mas que te fala
Mesmo sem quereres
Nos gestos e nos sons que emites

És feita de muita gente
Entrançada de muitas histórias
E nas tuas paixões ecoam mitos antigos
Rituais quotidianos de dar sentido
Ao seres a foz do grande rio
Aquele que se chama Vida
E que tem corrido desde a primeira luz.

Thursday, April 3, 2008

Construo-me pela derrota
Alargando-me para tudo caber
E a Rosa do meu mar
Dá-me a sede de amanhecer.

Dá-me quem seja
Apruma-me as asas
Sonha-me inteiro

Recruta-me para a vida
Dançando-me descalça
Na gruta dos meus silêncios

Já sou teu
Já vivo no teu gosto
Agora só basta comer do teu fruto.

A morte do silêncio
Névoa inteira sobre o sonho
Ruga de medo na manhã

Deixa-me sofrer a memória
Caído nos restos da minha sombra

Pergunta-me quem sou
E não me deixes responder

Dá-me o rio da tua viagem.

Thursday, March 6, 2008

A tua ausência são dez universos
Pois sinto-a como vastidão cósmica
Multiplicada pelo amor que te tenho

Por sentir universalmente
Sou do tamanho do que sinto
Condição absoluta de não te ter

Partires deu-me tamanho de Deus
De tanto que sinto por não te sentir
Verbo divino dos mundos que toco

Que não se perca este amor tão grande
Que crie galáxias e constelações de sorrisos
Nos corações que vibrarem ao meu som

Que se derrame este amor imenso
Nos campos, nas flores e nos corpos que vivem
Ensopando-os de sonhos de luz, para sempre

Que este amor criador não se apague na tua ausência
E permaneça no centro de tudo o que nasce
Na cor, no movimento, no ser de cada ser

É tão grande este amor
Que escrevo poemas para ti
Sabendo que nunca os irás ler

É tão grande este amor
Que mesmo na tua ausência
Sinto um imenso amor ao amor.

Wednesday, February 13, 2008

Escrevo do sangue
Da lágrima mordida
Do grito apagado
A queimar por dentro

Escrevo da paz e do sonho
Que me chega de mansinho
Por estar deitado na vida
Ao sol dos meus amores

Escrevo porque não sei
E escrevo porque não quero
Nem sei se vou querer
Querer mais do que sei

Escrevo para escrever
Dou som ao que sinto
Trago verdade ao que minto
Entorno-me em palavras

Escrevo para sair para fora
Para a rua dos olhares
Abrindo-me em janelas
Onde o mundo vem conversar

Escrevo porque sim
Não sei fazer diferente
Habitam-me outras histórias
Que me movem o olhar.

Ubiquidade de ti
Em mim
Vejo-te
Por todo o lado
Do que sou

E vejo-te
Sempre
Que me olho
Lá estás tu
No meu sorriso.

Estes corpos mentem
Dançam-se nocturnamente
Para se perderem
Não sabem que o sentir
È galope de fugida
Das sombras dos seus vãos

Não merecem ser poupados
Da vida que os eleve
Por os levar ao fundo
E lá, onde são órfãos no deserto
Os seus desejos são explodidos

È o rosto da noite universal
Que os acolhe no tormento
No milénio sem sono da solidão
Despidos de si mesmos nesta viagem
Ao fundo dos fundos de ser pessoa

Aí, onde já nada resta do que restava
Nasce aquilo que traz a luz
A consciência de que a dor já não é dor
Que não é deste mundo o que ganhamos
Por nos morrermos de quem sempre fomos.

Sou letra
Som
Imagem
Símbolo
De mim mesmo

Num universo que fala
Desenha
Desdenha
O que sou

Leio-me
Declamo-me
Descodifico-me
Pacifico-me

Na aventura mística
De ler o universo
Nas minhas entrelinhas
Nas páginas vazias de fazer

O silêncio de já ser.

Monday, January 28, 2008

Amo-te
A ti
Que em mim estranho
Enorme
Sem tamanho
Vida outra
Que me tenho

È teu
Outro mundo
Habitas-me
O fundo
Minha sombra chinesa
Apetite rotundo
Noite certeza

Mascaras-te
De mim
E sim
Tens-me vida
E eu
Que sou teu
Sonho-te na ferida.