Wednesday, May 27, 2009

DEMÉTER E DIONÍSIO

Estou bêbado de ser
Mergulhado na ambrósia do encontro

Toda a vida é uma vida
Todo o corpo é um corpo
E a música enraíza-me em ti

Partilhamos pão e vinho
Casa e mundo
Divino e humanidade

Viço de corpos semente
Gestos colheitas
Ritmos da criação

Esta dança de fogo sagrado
É um casamento divino
Dura este momento fugaz
Mas é um mistério eterno
Que dura um mundo inteiro

Porque os deuses dão-se vida
Nos suspiros da nossa entrega.

CANÇÃO DE EMBALAR

Pequenino
Pequeno funcionário
Tudo encolhes
Nas contas do teu rosário

Tuas certezas
E pompas arrogantes
Misérias convictas
Do céu dos ignorantes

Pequenino
Pequeno ditador
Apodreces
Os frutos do amor

São teus filhos
Coisas sem vontade
A tua sombra
Esmaga a liberdade

Pequenino
Pequeno moralista
Dás morte ao sonho
Desprezas a conquista

Vê se dormes
Para te calares
Um bom soninho
Sem nos chateares.

Wednesday, May 13, 2009

Minotauro

Ariadne
Dá-me a segurança da tua espera
Repousa-me com a tua guia luzente
Que vou lançar-me neste útero
Labirinto pulsante e irrigado de desejo

Está em mim o Mito
A renúncia de quem avança

Vou perder-me
Tenho de perder-me
Se quero receber-me em glória

Mantém-me ligado ao fora
Ao terreiro dos olhares
Que lá dentro estou comigo sem mim

Senta-te e espera-me
Com o teu vaso de água fresca
E o cesto de romãs
Que eu já venho

Vou salvar o Minotauro
Libertá-lo da vergonha que o prendeu aqui

O resgate do seu poder
Será a salvação do nosso reino, Ariadne

Os deuses serão mais homens
E os homens serão mais deuses

E deusas, Ariadne

Espera-me, meu amor sereno
Que eu vou libertar a vida
Lá longe

Sem sair do teu colo.

Fundo do Poço

Na queda olhava o fundo

Tentando antecipar o dano

Do embate todo humano

De quem lhe dói o mundo


E por olhar para o fundo

Nem sonho de luz via

O negrume não alumia

No seu abraço rotundo


Precisou bater no fundo

Sofrer a dor do embate

Desamparo sem resgate

Ricochete imundo


Para a queda ser parada

Que todo o ser lhe doa

Neste fundo de ser pessoa

Mentira derrotada


O fundo também é chão

Sustenta o levantar

E agora já pode o olhar

Erguer-se em elevação


E é no escuro menos dia

Abismo que tudo reduz

Que consegue ver a luz

Que a cair não via.