A folha com o tempo certo
De ser antiga e de ser tempo
E tempo de ser antiga
É raptada pelo vento
Que a liberta e a fustiga
Titã soprante das estações
E dos mistérios da mudança
Vertigem prenhe e manifesta
Morte que se revela em dança
E a folha que era folha
Quando era árvore e era folha
Já não é folha nem árvore
Nem angústia da escolha
Foi arrancada de si
E da raiz que lhe dava ser
É vento, espaço e vazio
Até ao mergulho no rio
Águas correm e empurram
Fluxo rugente e urgente
Força inelutável e certa
Brutal por ser torrente
E a folha que não se luta
De ser folha e não ser luta
É agora rugido em água abrupta
Majestade selvagem e incorrupta
E na viagem molhada
De movimento que brada
A folha é transmudada
Até uma nova enseada
Carícia de encontro à margem
Da vida que traz a mensagem
Genes amor e linguagem
Código magia e imagem
E onde descansa em jazigo
Túmulo no ventre antigo
De onde a seiva germina
Fêmea de terra peregrina
Silêncio de decomposição
Húmus, sombra e podridão
No céu vivo que é este chão
Novos começos fulgirão
As veias que a árvore encerra
Que da vida nada se perde
Nutridas pelo pulsar da terra
Inspiram de broto e de verde
Folhas nascem em nova sorte
Na árvore fria e despida
Pois não há vida que não seja morte
E não há morte que não seja vida.