Friday, January 17, 2020

Se eu desaparecesse agora
Talvez houvesse algumas
Pequenas ondas
De sentir falta
De alívio
Algumas
Ou alguns, curiosos, Ah foi?
Quando a notícia chegasse
Se eu já não fosse
Depois de escrever a última palavra
Do que escrevo agora
A vida seria vida
E as flores continuariam a crescer
O sol a nascer e a chuva a cair
E no outro lado da galáxia
Onde os sóis são outros
E de outras cores
Os átomos continuariam a explodir
Sem lamento ou memória
Do que eu teria sido ou não chegaria a ser
Nesta evidente pequenez de aqui estar
E de ser
Há dias em que o sentir falta, que sinto
Parece maior que todos os universos
E mais antigo que todas as existências
E todos os que estiveram e já não estão
E tudo o que poderia ter sido
E nunca chegou a ser
Tornam-se verdade e presença
Na ausência de não estarem
E de não serem
Em mim
E por mim
E eu escrevo lamechices
Fraco esconjuro
Da inevitabilidade
Pontas sem os nós
Que nos atavam
Aos olhares e corações
De quem dançava a mesma música
Sinto a falta de quem falta
De quem já não está
E que por eu sentir falta
Ainda cá está…

Nas veias do sentir
Navega-me desde sempre…
Uma intensidade indizível
E premente
Estremecimento vulcânico
E semente
Ânsia de impossível
Bem presente
Que me irradia
Desde que sou gente
Bramido que se alimenta
De voracidade
Chicote fervente
Da vontade
Luxúria vermelha
E tempestade
Animal aceso
E coroado
Sexo divino
E levantado
Uivo do louco
Desagrilhoado
Para me Ser
Tenho de ser
O que não posso ser
Ter o domínio
Do que não posso Ter
Furar o tabu
E mandá-lo foder
E os sátiros bêbados
Emprestam-me os cornos
Para eu marrar
Nos sentires mornos
E queimar as bandeiras
Em todos os fornos
E quando morrer
Que morra acordado
Sem vendas nos olhos
Nem amordaçado
E espalham-me as cinzas
Em todo o lado
Pois vivi vivo
E vivo morri
E fui mais eu
Por te ter a ti
E de Viver
Não desisti…