A SENHORA DOS GATOS
Eu desejaria ser poeta
Peço perdão por não ser poeta
Porque desejaria ter o dom de honrar
No merecer da sua beleza
Esta senhora pequenina e frágil
Que percorre a rua onde vivo
Como uma evanescente borboleta
“Meus meninos, meus meninos!…”
Chama de prato numa mão
E o coração na outra
Este ser antigo, mas tão novo
Rosto sulcado por muitos verões
E sentires que já foram, mas ainda lá estão
Suaves olhos de recém-nascida
E voz de menina que canta uma moda
Anacronismo poético desta velhinha
Encantamento surpresa na rigidez citadina
Tal papoila vermelha que é régia em beleza
Na aridez da planície em tempo de seca
“Meus meninos, venham cá comer!...”
E os felinos, que escutam a fada
No canto mágico do seu amor
Desenrolam-se de si mesmos
E dos sonos que os fazem gatos
Trotando o asfalto em saltos criança
De meninos felizes por reverem a mãe
Um sorriso acorda-me o que sou
E a névoa que não deixava ver-me
Iluminou-se em arco-íris
“Como está, Dona Felicidade?”
Pergunto, com o carinho que me evoca
Este ser solitário e gracioso
Onde a saúde já não permanece
E a dor é visita frequente
“Chamo-me Felicidade, mas não sou muito feliz…”
Entoa, num riacho que corre em queixume
E me chega ao peito como um tilintar de sininho
Por entre miaus e ronronares de fome
Que festejam o chegar da abundância
Não é feliz, a Felicidade
Ironia paradoxal da sua presença
Deste ser bondoso, de solidão cansada
Este ser pequeninho, numa rua pequenina
Duma cidade grande, de um mundo maior
Não é feliz, a Felicidade
Mas a sua generosa canção de amor
Torna uma rua pequenina
Um infinito universo de vida
Para gatos famintos
E a mim, que não sou gato
Traz-me um milagre diário:
Abre-me as portas da alma até ao céu
Lá, onde a Felicidade existe.