Saturday, April 3, 2021

 A SENHORA DOS GATOS

 

Eu desejaria ser poeta

Peço perdão por não ser poeta

 

Porque desejaria ter o dom de honrar

No merecer da sua beleza

Esta senhora pequenina e frágil

Que percorre a rua onde vivo

Como uma evanescente borboleta

 

“Meus meninos, meus meninos!…”

Chama de prato numa mão

E o coração na outra

Este ser antigo, mas tão novo

Rosto sulcado por muitos verões

E sentires que já foram, mas ainda lá estão

 

Suaves olhos de recém-nascida

E voz de menina que canta uma moda

Anacronismo poético desta velhinha

Encantamento surpresa na rigidez citadina

Tal papoila vermelha que é régia em beleza

Na aridez da planície em tempo de seca

 

“Meus meninos, venham cá comer!...”

E os felinos, que escutam a fada

No canto mágico do seu amor

Desenrolam-se de si mesmos

E dos sonos que os fazem gatos

Trotando o asfalto em saltos criança

De meninos felizes por reverem a mãe

 

Um sorriso acorda-me o que sou

E a névoa que não deixava ver-me

Iluminou-se em arco-íris

 

“Como está, Dona Felicidade?”

Pergunto, com o carinho que me evoca

Este ser solitário e gracioso

Onde a saúde já não permanece

E a dor é visita frequente

 

“Chamo-me Felicidade, mas não sou muito feliz…”

Entoa, num riacho que corre em queixume

E me chega ao peito como um tilintar de sininho

Por entre miaus e ronronares de fome

Que festejam o chegar da abundância

 

Não é feliz, a Felicidade

Ironia paradoxal da sua presença

Deste ser bondoso, de solidão cansada

Este ser pequeninho, numa rua pequenina

Duma cidade grande, de um mundo maior

 

Não é feliz, a Felicidade

Mas a sua generosa canção de amor

Torna uma rua pequenina

Um infinito universo de vida

Para gatos famintos

 

E a mim, que não sou gato

Traz-me um milagre diário:

Abre-me as portas da alma até ao céu

Lá, onde a Felicidade existe.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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