Tuesday, November 27, 2012


Chegou-me o demónio na noite 

Por vezes a noite chega como noite
Outras a noite chega como ser
Que traz o ser que somos
Ou que sentimos que somos 

Por ser 

Já vivi muitas noites demónio
Muitas 

Agora... 

Tento rodear-me o mais possível de anjos
Para que me venham na noite  

Por vezes o demónio volta
Como hoje 

Eu tento abraçá-lo
Como se abraça o escuro da noite
E as dores dos nossos filhos 

Afinal...
 
O demónio é só um anjo ferido.

 

Friday, November 23, 2012

Um sussurro doce e límpido
Como um riacho no veludo do musgo
Acordou-me a pele e as estrelas

Palavras carícia e sopro quente
Marotice do encantamento
Hipnose de astro que se inquieta

Mulher corpo lançando feitiço
Na fogueira dos afetos primeiros
Reacordar da fénix sanguínea

Prazer de resistir ao prazer
Desejo de desejar mais desejo
Nutrido na fome de si

A noite acende-se para o céu
O universo destapa-se dos lençóis
E, no instante anterior à criação

Retorno a mim no teu abraço.

Thursday, November 22, 2012

Escorre-me o tempo
Nas têmporas
O despeito
Afunda-me o peito

Mas são os dizeres sábios
Que me lambem os lábios
Que me deixam surdo
E contrafeito

Quero que a mudez
Me colore a tez
E que o ruído
Se cale de vez.

Porque queres despir-me das sombras?
Porque me recusas a noite?

Se queres a minha intensidade dentro de ti
Deixa-me a intensidade dentro de mim

No poço do segredo
Estão as formas do indizível
As memórias do degredo
As fomes do impossível

Deixa-me que me deixe sentir
Sente-me a deixar-me deixar

E quando me encontrares perdido
Perde-me... para me encontrares.

Tuesday, November 13, 2012


Sou o filho do céu e do inferno
Brilham estrelas no meu vazio
Lanço fogo que rasga do frio
Vulcão aceso na noite de inverno


Sou flor que ruge por entre alcatrão
Dor que fica do gozo arrojado
Fita vermelha em uniforme rasgado
Chuvada intensa em mês de Verão

Sou vaga que bate nos adamastores
Sonho de preso no forte dos bons
Não sofro de cismas, virtudes ou dons
Nem das febres dos sábios doutores

Sou a sombra desperta no nevoeiro
O riso na véspera da multidão
Anéis de saturno ao alcance da mão
Abraço do Mundo no corpo inteiro

Sou a força gentil do amor verdadeiro
Sou todos aqueles que em mim são.

Monday, November 5, 2012

No espaço entre palavras
Desfiladeiros do indizível
Vive o infinito silêncio
As possibilidades sem fim

Em tudo o que há por dizer
Nada diz o que vou sendo
E de dizer me arrependo
Ao limitar-me assim

Escrevo sem saber aonde vou
E quando lá chego nunca lá estou
Mas é neste caminho para não me encontrar
Que me encontro a mim.

Sunday, November 4, 2012

 

Traz-me a noite ao sentir
Chama os pássaros dourados
Se morrer é partir
Parto e levo os pecados 

O vento sopra onde quer
A chuva molha onde cai
Sombra amarga mulher
Dá-me peso e não sai 

A muralha resignada
Que te guarda o rosto
É uma estátua de nada
Fenda no chão do desgosto 

O tempo que não te perde
A  fúria que não te esgota
A paciência que já fede
A esperança já está rota 

Ainda assim ergo o queixo
Abro o peito à aurora
E é no amor que me deixo
Enquanto o segredo me chora.