Monday, April 12, 2021


A Vida pariu-me na cara
Numa rua banal
Emergiu de uma escara
Num milagre seminal

Verteu-se de uma cicatriz
Vagina rasgando o betão
É arte por ser raiz
Universa-se em coração

E eu senti-me a sentir-me
Neste parto que me acontece
Em que uma certeza firme
No meu peito alvorece

Quantas cicatrizes nos marcam
Nos muros que se crescem em nós?
Quantos poços escavamos
Nos poços em que estamos sós?

E dessas rasgadas feridas
Que nos prendem à má sorte
Brotamos em canções floridas
Trazendo a Vida à morte.





Saturday, April 3, 2021

 A SENHORA DOS GATOS

 

Eu desejaria ser poeta

Peço perdão por não ser poeta

 

Porque desejaria ter o dom de honrar

No merecer da sua beleza

Esta senhora pequenina e frágil

Que percorre a rua onde vivo

Como uma evanescente borboleta

 

“Meus meninos, meus meninos!…”

Chama de prato numa mão

E o coração na outra

Este ser antigo, mas tão novo

Rosto sulcado por muitos verões

E sentires que já foram, mas ainda lá estão

 

Suaves olhos de recém-nascida

E voz de menina que canta uma moda

Anacronismo poético desta velhinha

Encantamento surpresa na rigidez citadina

Tal papoila vermelha que é régia em beleza

Na aridez da planície em tempo de seca

 

“Meus meninos, venham cá comer!...”

E os felinos, que escutam a fada

No canto mágico do seu amor

Desenrolam-se de si mesmos

E dos sonos que os fazem gatos

Trotando o asfalto em saltos criança

De meninos felizes por reverem a mãe

 

Um sorriso acorda-me o que sou

E a névoa que não deixava ver-me

Iluminou-se em arco-íris

 

“Como está, Dona Felicidade?”

Pergunto, com o carinho que me evoca

Este ser solitário e gracioso

Onde a saúde já não permanece

E a dor é visita frequente

 

“Chamo-me Felicidade, mas não sou muito feliz…”

Entoa, num riacho que corre em queixume

E me chega ao peito como um tilintar de sininho

Por entre miaus e ronronares de fome

Que festejam o chegar da abundância

 

Não é feliz, a Felicidade

Ironia paradoxal da sua presença

Deste ser bondoso, de solidão cansada

Este ser pequeninho, numa rua pequenina

Duma cidade grande, de um mundo maior

 

Não é feliz, a Felicidade

Mas a sua generosa canção de amor

Torna uma rua pequenina

Um infinito universo de vida

Para gatos famintos

 

E a mim, que não sou gato

Traz-me um milagre diário:

Abre-me as portas da alma até ao céu

Lá, onde a Felicidade existe.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Saturday, March 20, 2021

 ELOGIO DA PERDA

 

Ver o mar

E uma praia infinita

Depois de meses

Em que perdi

O ganhar de os ver

Relembrou-me o ganho

Que se ganha em perder

 

O peito tornou-se-me

Ainda mais céu e mar aberto

Mais aceso e mais desperto


E o mar, que nunca foi meu

Tornou-se mais Mar

Para quem o perdeu.

Thursday, March 4, 2021

 Vi a primeira andorinha do ano

O peito hasteou-se-me em cores de alegria
E senti-me todo sorriso e céu azul

Que um pequeno e ágil pássaro
Da coragem irresistível da migração
Voe consigo a semente da esperança
Da memória e promessa da bem-aventurança

E eu, que era só eu, tornei-me primavera.

Friday, January 22, 2021

A folha com o tempo certo
De ser antiga e de ser tempo
E tempo de ser antiga
É raptada pelo vento
Que a liberta e a fustiga
Titã soprante das estações
E dos mistérios da mudança
Vertigem prenhe e manifesta
Morte que se revela em dança
E a folha que era folha
Quando era árvore e era folha
Já não é folha nem árvore
Nem angústia da escolha
Foi arrancada de si
E da raiz que lhe dava ser
É vento, espaço e vazio
Até ao mergulho no rio
Águas correm e empurram
Fluxo rugente e urgente
Força inelutável e certa
Brutal por ser torrente
E a folha que não se luta
De ser folha e não ser luta
É agora rugido em água abrupta
Majestade selvagem e incorrupta
E na viagem molhada
De movimento que brada
A folha é transmudada
Até uma nova enseada
Carícia de encontro à margem
Da vida que traz a mensagem
Genes amor e linguagem
Código magia e imagem
E onde descansa em jazigo
Túmulo no ventre antigo
De onde a seiva germina
Fêmea de terra peregrina
Silêncio de decomposição
Húmus, sombra e podridão
No céu vivo que é este chão
Novos começos fulgirão
As veias que a árvore encerra
Que da vida nada se perde
Nutridas pelo pulsar da terra
Inspiram de broto e de verde
Folhas nascem em nova sorte
Na árvore fria e despida
Pois não há vida que não seja morte
E não há morte que não seja vida.

Saturday, December 5, 2020

Muitos nobres não são nobres 

Porque de nobreza são pobres 

Quando os olhas e descobres

 Que se vendem por uns cobres 


 Não se é nobre por herança

 Ou por se ter a maior pança

 De nobreza só há esperança

 No que o coração alcança 


 Pela força da verdade

 A Coragem na adversidade

 E dos jugos a liberdade 

Sob o sol da humildade


 E tu, nobreza mulher 

Que meu sentir tanto quer

 És mais nobre que um qualquer 

Pois não é nobre quem quer 


 És a nobreza natural 

Da coragem catedral 

Firmeza em frente ao mal 

No teu rugir visceral 


 Amo amar quem tu és

 Dançando flores e marés

 Entre a vitória e o revés 

Ajoelho-me a teus pés


 Na divina certeza

 Da tua força e grandeza 

Da luz da tua beleza

 No teu olhar fortaleza 


 Amo-te, mulher que me ama

 Que me reina e me dá chama

 Meu horizonte e minha cama 

Voz vida que me chama 


 E é tão nobre este amor 

Que rompe pedra e temor

 Silêncio, beijo e humor 

Altar, seara e andor 


 Na nossa primeira dança

 Cabo da Boa Esperança 

Éden, galope e segurança

 Desfraldaste meu olhar criança 


 Que é nobre, pela nossa dança…

Friday, January 17, 2020

Se eu desaparecesse agora
Talvez houvesse algumas
Pequenas ondas
De sentir falta
De alívio
Algumas
Ou alguns, curiosos, Ah foi?
Quando a notícia chegasse
Se eu já não fosse
Depois de escrever a última palavra
Do que escrevo agora
A vida seria vida
E as flores continuariam a crescer
O sol a nascer e a chuva a cair
E no outro lado da galáxia
Onde os sóis são outros
E de outras cores
Os átomos continuariam a explodir
Sem lamento ou memória
Do que eu teria sido ou não chegaria a ser
Nesta evidente pequenez de aqui estar
E de ser
Há dias em que o sentir falta, que sinto
Parece maior que todos os universos
E mais antigo que todas as existências
E todos os que estiveram e já não estão
E tudo o que poderia ter sido
E nunca chegou a ser
Tornam-se verdade e presença
Na ausência de não estarem
E de não serem
Em mim
E por mim
E eu escrevo lamechices
Fraco esconjuro
Da inevitabilidade
Pontas sem os nós
Que nos atavam
Aos olhares e corações
De quem dançava a mesma música
Sinto a falta de quem falta
De quem já não está
E que por eu sentir falta
Ainda cá está…

Nas veias do sentir
Navega-me desde sempre…
Uma intensidade indizível
E premente
Estremecimento vulcânico
E semente
Ânsia de impossível
Bem presente
Que me irradia
Desde que sou gente
Bramido que se alimenta
De voracidade
Chicote fervente
Da vontade
Luxúria vermelha
E tempestade
Animal aceso
E coroado
Sexo divino
E levantado
Uivo do louco
Desagrilhoado
Para me Ser
Tenho de ser
O que não posso ser
Ter o domínio
Do que não posso Ter
Furar o tabu
E mandá-lo foder
E os sátiros bêbados
Emprestam-me os cornos
Para eu marrar
Nos sentires mornos
E queimar as bandeiras
Em todos os fornos
E quando morrer
Que morra acordado
Sem vendas nos olhos
Nem amordaçado
E espalham-me as cinzas
Em todo o lado
Pois vivi vivo
E vivo morri
E fui mais eu
Por te ter a ti
E de Viver
Não desisti…

Wednesday, November 20, 2019

Sangra-me da noite
Lambe-me o coração por dentro
Canta-me no segredo das células
Que dão tecido à minha voz
Cavalga o suspiro do esvaziamento
Dos sentires e das névoas
Desfiladeiros agudos da memória
E do esquecimento
Atira-te a mim
No tiro certeiro de me veres nu
E cru
Na forja subterrânea do instante
Estrondo ser e perder
Na corrente gráfica da impermanência
Que rasga regra e decência
Detonação precisa da demência
Trincando as polpas do sentir
Voo estratosférico que te mergulho
Os gritos são a glória do início
E amar-te é ser-me chão e precipício
Veludo e fogo de artifício
E de asas vermelhas pulsantes
Abraçamo-nos no sono eterno dos amantes…

Wednesday, October 30, 2019

Debaixo da sombra anestesia
Irrigação de chumbo e paralisia
Encontrei altares e sementes
E joias reluzentes
Para lá de deus e do medo
E da mordaça do segredo
Encontrei fontes e continentes
Novas danças e novas gentes
Além do errado e do certo
E da fortaleza dos maldizentes
O longe tornou-se perto
E os olhares já são ardentes
Acima de mim eu vi-te a ti
E abracei-te e eras eu
E se não fosse o que morri
Não me seria neste céu.

Friday, September 13, 2019


O silêncio percorre a superfície
Dos sonhos do brando homem
E os seus gestos de artificie
Nas rotinas que o consomem 

O silêncio das mulheres que calam
Por séculos de aprender a calar
Pois são os seus olhos que falam
No espaço entre querer e amar 

O silêncio nas vozes sonoras
Por medo do que o silêncio evita
Entre o tique taque das horas
E a verdade do que as fita 

O silêncio do fim do amor
E o amor no silêncio do fim
O rasgo que acorda o torpor
E o silêncio que me traz a mim.

Tuesday, December 11, 2018

Entre o ódio e a reverência
A lucidez e a demência
Há mais ser e mais segredo
Há mais cor para além do medo

Há mais rostos de esperança
Liberdade pela dança
Beleza que se alcança

Além dos slogans mercantis
E ataques aos perfis
Do plástico do Facebook
E do ruído do Tuk-tuk

Há olhares que se amam
Silêncios que se exclamam
Mistérios que se derramam

Há muito mais do que escrevo
Cheiro de chuva e trevo
Sorriso no calor do abraço
Voo que alegra o espaço

Há mais cor para além do medo
Há mais ser e mais segredo
Para além do like e do estado
Há mais ver e mais sagrado…

Tuesday, November 27, 2018

A música ensopa-me os poros
Em ondas lúcidas de existência
Lavando murmúrios e choros
Soltando fome e ardência


Teus olhos agarram-me dentro
Pulsando em órgãos e mistérios
Sísmica beleza sem epicentro
Criadora de rotas e impérios

Danças pela nobreza que te move
Estandarte da vitória da vida
Egrégia verdade que me comove
Gesta fecunda e florida

Deixo-me deixar-me a olhar-te
Religiosidade do convertido
Rendido ao fado de amar-te
E pelo teu dançar ser ungido

E se na morte vier o fim
Inescapável fatalidade
Sou o infinito que me dás a mim
Na tua dança amor e eternidade

Glorifico-me de ser-me por assim seres
Santifico-me de ver-me por ver-te a ti
Ilumino-me inteiro por resplandeceres
E abençoo de vida tudo o que morri.

-----English------

The music floods my pores
In lucid waves of existence
Washing murmurs and cries
Releasing hunger and burning

Your eyes grab me inside
Pulsating on organs and mysteries
Seismic beauty without epicenter
Creator of routes and empires

You dance by the nobility that moves you
Life’s Victory Banner
A noble truth that touches me
Fertile and flowery gestation

I let myself letting me look at you
Religiosity of the convert
Rendered to the fate of loving you
And for your dancing to be anointed

And if in death comes the end
Inescapable fatality
I am the infinitude you give to me
In your dance, love and eternity

I glorify myself for you being you
I sanctify myself by seeing you
Enlighten me whole by your resplendent being
And all that I’ve died I now bless with life.

Thursday, May 3, 2018

Desfilam palavras vazias
Arcas que perderam tesouro
Slogans e estereotipias
Chumbo pintado de ouro
 
Gestos ferramenta e espelho
Sorrisos néon e balcão
Salmos de um novo evangelho
Hologramas do coração
 
Mercantilização do afeto
Novos vendilhões do templo
E o menu está completo
São os mártires do exemplo
 
É o que é e assim será
Queira ou não queira, diga ou não diga
Porque o que temos é o que há
E é uma canção muito antiga.

Se este amor não fosse


Por tão frágil, quase intangível

Na infinita rede de causalidades

Necessárias ao ter sido

Bastava um elo não ter acontecido

Um “se” ter sido outro “se”

Um passo ter ido para norte

Quando deveria ter ido para sul

Um olhar não ter sido olhado

Uma escolha, ter sido outra escolha

Para que o amor não fosse

Este amor que é

E que eu sou

Por este amor me ser

 

Incomensuráveis possibilidades

De não ter sido

Agulha num palheiro cheio de agulhas

Pedra preciosa escondida num Himalaia de pedras

 

Ínfima probabilidade do encontro de duas almas

Que se vislumbram

Através da cortina de seis biliões de seres

E de histórias de vida

 

Tanto, tanto… que poderia não ter sido

Por ter sido outra coisa

Por ter sido outra gente, outro olhar, outro possível

E no meio de tanto impossível, de tanto poder não ser

De tanto que quase não foi

Foi, aconteceu, e é, e vive

Este amor

Tão ínfimo, na sua raridade

Tão grande, na sua magestade

Virtualidade sub-atómica de vir a ser

Que se tornou Cosmos de eu me viver

 

E este tesouro

Que eu me encontrei

Vivo-o inteiro

Por te ter encontrado

E se amanhã já não for

E isso não sei

Será sempre para sempre

Por amar-te agora

Com tudo o que sou

Fui e serei

 

Por isso este amor que quase não foi

Aconteceu porque teve de ser

Lei da causa e consequência

Porque se este amor

Não tivesse sido

Seria absurda a existência.
 

If this love were not
Because it is so fragile, almost intangible
In the infinite network of causalities
That needed to exist for this love to exist
 
If just one link had not happened
And one "if" had been another "if"
One step had gone north
When should had gone south
 
A look that had not been looked at
A choice, to had been another choice
So that this love was not
This love that is
And that I am
For this love is me
 
Incommensurable possibilities
Of not becoming to be
Needle in a haystack of needles
Precious stone hidden in a Himalaya of stones
 
Unlikely probability of two souls meeting
That glimpse
Through the curtain of six billion beings
And life stories
 
So much ... that it might not had been
Because it could had been something else
Another people, another look, another possibility
And in the midst of so much impossibility, of being so
So much so that it had hardly been
It was, happened, and is, and lives
This love
 
So tiny, in its rarity
So great in his majesty
Sub-atomic virtuality of becoming
What became to be the Cosmos of me
 
And this treasure
That I met
I live it whole
Because I found you
And if tomorrow is no longer
And that I do not know
It will always be forever
Because I love you now
With everything I am
I have been and will be
 
So this love that almost did not existed
It happened because it had to be
Law of cause and consequence
Because if this love
Had it not been
It would be absurd to exist.

Monday, January 29, 2018

I wish (I can only wish) ...

That celebrating the birth
Of the Sacred Child
Would celebrate all children...
Because they are sacred


And that all Christmas cribs that are created
Showing the holy family
Would Celebrate all families
Mono, hetero , homo
Polyamorous and of all colors
For all love, which is Love
It's sacred ... and it's family.

And that the animals that decorate
The perfect postcard image
Would not be decorating items
But that could show us what is
Heart like
And Life
By the perfection of truth and instinct

And that the wise men
Could be us all
Assuming our greatness
Human (yes, with capital letter)
Royal and magical
Bringing gifts of beauty and love
To the world (this one, here near us)
In respect gestures and words poem

And that nothing would be more sacred
Than the Sacredness of Life

And that Christmas could be
In every now
And every always
When not fear, but
Love…
Is our Guiding Star.

Desejo (só posso desejar)…

Que celebrar o nascimento
Da criança sagrada
Fosse o celebrar ...
De todas as crianças
Porque são sagradas


E que os presépios que se montam
Mostrando a sagrada família
Celebrassem todas as famílias
Mono, hetero, homo
Poliamorosas e de todas as cores
Pois todo o amor, que é Amor
É sagrado... e é família

E que os animais que decoram
A imagem perfeita dos postais
Não fossem coisa de decoração
Mas nos mostrassem o que é
De coração
E Vida
Na sua perfeição verdade e instinto

E que os reis magos
Fossemos nós todos
Assumindo a nossa grandeza
Humana (sim, com letra grande)
Régia e mágica
Trazendo presentes de beleza e de amor
Ao mundo (este, aqui perto de nós)
Em gestos respeito e palavras poema

E que nada houvesse de mais sagrado
Do que a sacralidade da Vida

E que o natal fossem todos os agora
E todos os sempre
Em que não o medo, mas
O Amor…
Fosse a nossa Estrela Guia.

The sun rises in my bed every morning
When your poem and life eyes embrace me...

Receiving me in the perfect glory of Love
I’m a God with messy hair and night's leftovers

Boy beast that doesn’t recognize himself as being
Rises to the silent power of infinity

Delicate fountain in the high peak of feeling
Waters and tames me in the amazement of reaching my self

I agree and remember that I exist more in your eyes
There's more everything in your eyes
I see more because you look at me
And I'm better for you being in me

And you are so much for being and looking
You create the world I want to see
And to be...

Because you are...

Because without you the world would be less world
It would be less everything
And everything would be less

And the Sun, which is so Sun in it´s being Sun
Without you it would not be the same Sun
It would be just a small warm candle
Silly joke in the morning
Rough draft of a vain form

Because it is yours the rising Sun on my bed
Every morning

It´s yours the Sun that rises every morning and creates me, the world and the laughter of children

It is yours the sun that gives color to colors and wind to the the seas
It is yours the sun that gives myself to me, whenever you look at me...

O Sol nasce-me na cama, todas as manhãs
Quando os teus olhos poema e vida me abraçam
Recebendo-me na perfeita glória do Amor...

Sou deus despentado e com as sobras da noite
Menino fera que se desconhece como ser
Que se eleva à silenciosa potência do infinito
Delicada fonte no alto cume do sentir
Que me rega e desbrava no espanto de me alcançar

Acordo e recordo que existo mais no teu olhar
Que existe mais no teu olhar
Que olho mais por me olhares
E sou melhor por tu me seres

Onde és tu tanto por seres olhar
E a olhar crias o mundo que eu quero ver
E ser…

Por seres…

Porque o mundo sem ti seria menos mundo
Seria menos tudo
E tudo seria menos ser

E o Sol, que é tão Sol no seu ser Sol
Sem ti não seria o mesmo Sol
Seria uma vela morna e anã
Piada parva na manhã
Esboço tosco de forma vã

Porque é teu o Sol que me nasce na cama
Todas as manhãs
Em mim, no mundo e no riso das crianças

É teu o Sol que dá cor às cores e vento aos mares
É teu o Sol que me dá a mim, sempre que me olhares…

A ti...

Imutabilidade na irresistível fervência do sentir
Broto urgente e impossível nas margens da ousadia
Já não restam as ossadas dos apetites primeiros...
Último respiro e gritar de opulência
Dança abrupta no sexo da existência
Garra a esventrar o véu da dormência


Radica no início a tua imparável divindade
De caminhos infinitos e mistérios de tudo
Irrefutável abismo no seu evidente absoluto
Clareza humilde do vencido amante
Que por tanto amar torna perto o distante
Gestos semente e carne exuberante

Vida dissiminada na efervescência do olhar
Palavras silêncio frescura na sombra da quietude
Lágrimas que voam na direção do arco-íris
E o teu nome celeste na minha alma impresso
Tão fundo me mora que já sei e confesso
Que por me teres tu és de mim o regresso.

Friday, August 11, 2017

No espaço
Que vai de mim
A ti
O que vai de mim...
No espaço
A ti


É o que de ti
Em mim
Se tornou espaço

Que de mim seja
No teu abraço
Já não é espaço
Ir de mim que já não vai
E a ti já não te chega

Porque no espaço
Que me abre
O teu abraço
Eu sou tu e chego a mim
Sem de mim chegar a ir

E de espaço já não há espaço
Nem que seja ir ou chegar
Porque no espaço do teu abraço
É onde me acordo a amar

E amar-te anula o espaço
O chegar e o partir
Chego a mim sem de mim sair
E já sou Eu no teu abraço.

Quando danças
A Terra gira mais depressa
Porque no seu peso de esfera gigante...
É a única forma de poder dançar contigo


Quando danças
O Sol veste o fato de banho e as barbatanas
Porque na sua imensidão soberana e irradiante
Quer mergulhar na beleza oceânica do teu movimento

Quando danças
As montanhas abrem desfiladeiros e novos vales
Porque nas suas perenes e imóveis massas de rocha
Conseguem assim sorrir pelo encanto que lanças

Quando danças
Os átomos beijam-se e fazem amor entre eles
Porque na sua infima pequenez atómica
Querem criar novas moléculas para celebrar a graça de quem és

Quando danças
A própria Vida acorda num amanhecer de mundo novo
E chora por sentir-se tão bela ao ver-se a dançar em Ti

Em mim, quando danças
Criam-se novas Terras, novos Sóis, montanhas e moléculas
Nascem novas formas de ser e novos povos que riem
E um coração trovador galopa numa pradaria de flores

Quando danças, sou criado de novo e para sempre
Num Big-bang que me explode no peito e no sorriso
E me torna Universo do teu Amor.

When you dance
Earth spins faster
Because of it´s giant ball weight
It's the only way It can dance with you

When you dance
The sun wears the bathing suit and the fins
Because in its sovereign and radiant immensity
Want´s to dive into the oceanic beauty of your movement

When you dance
Mountains open canyons and new valleys
So, in their perennial and immovable rock masses
They can smile because of the charm you throw

When you dance
Atoms kiss and make love to each other
In their atomic smallness
They want to create new molecules to celebrate the grace of who you are

When you dance
Life itself wakes up in a new world dawn
And it cries for feeling so beautiful to see itself dancing in You

In me, when you dance
New Earths, new Suns, mountains and molecules are created
New forms of being are born and also new laughing tribes
And a troubadour heart gallops on a flowered prairie

When you dance, I am created again and forever
In a Big Bang that explodes in my chest and my smile
And makes me the Universe of your Love.

Thursday, March 23, 2017


Avisa, se me distraír de mim
Toca-me se desacordar de ser
Porque nas vésperas do fim
Quero-me cumprido viver 

Deixa-me que me seja em ti
Floresce-me no jardim da pele
Olha-me onde nunca me vi
Embriaga-me de pimenta e mel 

Chama se não lembrar meu nome
Dança se me congelar no ferro
Dá-me rasgo e traz-me a fome
Pinta-me de sangue e dá um berro 

Mais que viva e mais que seja
Se adormeço num canto normal
Não há impossível que me proteja
De estar morto, antes de tal 

A anestesia antiga da normalidade
É uma puta velha, mas envolvente
Por isso acende-me o rugir da vontade
E o viver certeiro de quem não mente 

Quero ter-me ao ter-te em mim
No desejo que se torna flor
Porque a vida se vive assim
Na loucura de ser Amor.

Wednesday, February 1, 2017


Não te dou nome, pois dar-te nome seria desonrar-te no teu mistério
Não te sei , mas conheço-te como nunca conheci algo ou alguém
Conheço-te por baixo e por cima da pele
Conheço-te como se tu fosses o eu que te conhece
A sombra que só é sombra porque amanhece
Memória esquecida que não se esquece 

Não te dou nome, mas sinto a tua teimosia em Ser
O teu oceano de força que me move
Que não me deixa não ser e me comove
Não queira eu, ou não aprove
A vida que me vive e faz viver 

És algo em mim que és mais que eu
Chama , fonte e chão de céu
Vaga , sussuro, fremir de sismo
És a mão que me segura no vão de abismo 

És a fome que se alimenta que querer ter fome
A espada , o beijo , a flor sem nome
O olhar que me rega e também me come 

De todos os escombros que me levantei
De todas as trincheiras em que lutei
Em todos os fogos que me queimei
Foi sempre a tua boca, que eu beijei 

Lá estarás tu, porque cairei
E quando cair, porque já não sei
Dir-me-ás sempre que eu te amei.

Tuesday, October 21, 2014

Movem-me as pétalas do sorriso
As chamas loucas do paraíso
Corro, danço, voo, canto a vida de improviso
Palhaço, mágico, mendigo, e, na dúvida, pouco sizo

Não sei nada, juro que não sei nada
Por vezes, no silêncio, surge a cacetada
É som, é rasgo, é flor arrancada
Mas no alto de cada baixo vence a gargalhada.

Wednesday, October 8, 2014

A pérola como flor
O desejo como andor
Da Santa Liberdade

Na folha branca a verdade
Na cama branca a vontade

Ser poesia todas as manhãs
Não querer adormecer nas coisas vãs

Alto e baixo tudo é nexo
E da vida aberta ser o sexo

A carne mansa do mistério
Fronte, olhar, amor galdério

A boca na fruta acesa
Doces que tu fizeste sobre a mesa

Ser tudo o que o tudo almeja
E no teu rosto flor a minha igreja

Perante mim acordam os mitos
Por olhar-te sossegam os aflitos

Na tua paz será sempre dia
E o amor, por mais que fosse amor, nunca morria.

Monday, July 21, 2014

Eu já te conheço
Agora só quero saber o teu nome…

Fui arrebatado pelo calor da tua força
Pelo Universo de flores e aves do paraíso
Que te brilham no sorriso glorioso
Coroa imperial e corpórea da Vida a festejar-se

Em ti

Fui batizado pelas tuas lágrimas de alegria
Em nome da sagrada trindade da Beleza, do Prazer e do Amor
Na terra fecunda da presença regressamos ao primeiro começar
Quando a luz se tornou luz e o ar se tornou ar

Paridos pela Grande Mãe Dança
Rendemo-nos ao mistério de onde brotam os mistérios
Pois é à sombra do Amor que descansa a Criança Divina
Semente da inocência eterna que renova o mundo a cada suspiro

O teu olhar, brilhante e húmido, santificou-me
Tornou-me Deus Criador que se ajoelha perante si mesmo
Menino descalço feito coração e Verdade
Que dos gestos cria céus, mares e terras
E as musas de todos os poetas e artistas

Eu já te conheço, eu já te conheço…
Desde sempre…

Não, desde sempre não
Antes do tempo, antes do sempre e do nunca
Antes de haver antes e depois
Antes de haver palavras que falem do tempo e do sentir

Dancei contigo e por isso eu já te conheço
Mesmo quando não te conhecia

Por favor… já te conheço…
Agora só quero saber o teu nome.

Thursday, June 26, 2014

Besuntados de lama antiga
Corpos despejados no chão instinto
Enrolam-se com intensidade de briga
Sibilando-se no labirinto

Na potência febril que irrompe
Rugem as carnes e as memórias
De tempos criadores e glórias
Que já nem a palavra corrompe
...
Estertores pulsantes no centro
Onde agigantam os titãs
Fúria desejante adentro
Mais antiga que as manhãs

Raios certeiros da semente
Que a si dentro se envia
Assoma a verdade da Serpente
É na loucura da pele que o Criador se Cria.

Wednesday, May 7, 2014

 
Não vás ainda
Espera pelo mistério da carícia
Pela sombra esvoaçante
Poisada na lapela do silêncio

Espera
Não julgues este fruto
Pela couraça da semente
Nem lhe peças para mentir
...
Permanece comigo
Á beira do horizonte
Na véspera fecunda do sentir
Onde o olhar aguarda a permissão da alvorada

É agora, a viagem
Rotundo assombro da presença
Majestade insondável do suspiro
Glorioso arrepio do éden

Se ficares, irás descobrir
Que já é teu o céu prometido
Fica tão longe como o encontro da pele
E tão perto como o Universo que és.