Wednesday, December 19, 2007

Na sombra que me desperta encontro a rectidão do principio
Onde o mal é gémeo do bem e os abismos são montanhas do avesso
Equilibro-me em cima de nada porque não há nada que me seja
Desprendo-me de mim porque sou muito mais do que sou

Respiro um sopro infinito porque o infinito se respira em mim
Quando abro os olhos o universo acorda comigo e a luz acontece
Perdendo-se a memória de todos os feitos e de todos os ditos
E a presunção que destilo nos poemazitos que vou escrevendo.

Monday, December 3, 2007

E se o amor fosse uma torrada
meio queimadinha, de manhã?
Ou fosse uma meia quentinha?
E cuecas lavadinhas, com cheiro a fresco?
E se o amor fosse um corte de cabelo no verão?
E uma chuva que faz fugir da praia a rir?
E se o amor fosse um Natal cheio de miúdos contentes?
E uma rosa bonita na beira do caminho?
Ou um poema parvinho de carinho por ti?
E se o amor fosse um jantar de aniversário entre amigos?
E uma loja de flores bonitas?
E se o amor fosses tu a sorrir para mim?
Antes de dormirmos saciados?
E se o amor fosse eu?
Por ser tão simples ser assim
E gostar de mim a gostar de ti
No génio de querer tudo o que é pequeno
E sorvermos só assim
Por o amor sermos nós.

Monday, November 19, 2007

Nunca saí daqui
E nunca cá estou

Vou começar a viagem até aqui
Deixar que o tempo passe até agora
Onde tudo acontece
Permanece
Descansa
Na mudança

Aqui
Agora
Vou até cá
Neste momento
Que passou
Voltou
E nunca me deixou

Preciso de caminhar
Continuamente
Até onde já estou
E sou
E sou
E volto a caminhar
E vou para aqui
Nunca saí
Daqui
E nunca cá estou
E ando para não sair
Daqui
Agora
Neste tempo sem tempo
Onde tudo é Tudo
E tudo é o mesmo que Nada.

Tuesday, November 6, 2007

Atiro-me contra as esquinas da vida
Para me sentir
Para saber que cá estou
Porque se me deixo adormecer
Nos sofás limpinhos da escravidão
Fico sem a voz que é minha
Leio os guiões que me destinaram
E me tornam legenda de um filme que não é meu

Tenho a pele e o sentir marcados pelos embates
A alma que me vive tem mais anos que os meus
E a paz muitas vezes não se deita comigo
Às vezes sangro quando rio
E dói-me quando amo

Canto alto para não ouvir-me a gemer
Mas lanço longe a minha voz
Em tons de fogo e de mar
Abraços universos de quem eu sou

Da luz vibrante que verte a minha sombra
Morro-me todos os dias para me viver
Brincando para me levar a sério
E amando para ser tudo o que quero ser

As guerras já lá vão
Deixei-as do outro lado de mim
De onde espreitam em jeito de emboscada
Olho-as e rio
Levanto a cabeça
Sacudo o que já é velho
Abrindo-me em cores de festa
Piscando o olho aos miúdos que correm comigo

E tu amor
Estiveste sempre comigo
Ainda não te conhecia e já cá estavas
Aqui
Onde me deixaste quando nasci.

Se a vida toda
Fosse este momento
Era toda uma vida
De deslumbramento

Infinito fugaz
Verbo Criador
Alfa e Omega
Nos braços do Amor

Nascia e morria
No mesmo instante
Em glória perfeita
De ser teu amante.

Tuesday, October 23, 2007

Menina estrela
Constelação
Alma serena
Revelação

A casa que dá
A quem ela ama
È feita de riso
Sentir em chama

Vento solar
Ceptro na mão
Sorriso que deixa
No coração

Conforto de ninho
Abraços em rama
E o mar que me abre
Selva na cama

Os versos que escrevo
Ingenuidade a rimar
Só deles me atrevo
Por tanto a amar.

Thursday, September 20, 2007

O tempo, o mar, e a gente
Tudo é tudo
E tudo se sente

O tempo que é tempo
Porque nos pomos a contá-lo
Deixa-nos sem tempo
Para vir a deixá-lo

E o mar que é mar
Só é mar porque há margem
Ponto de partida
Onde começa a viagem

A gente, que é tanta gente
Naquilo que é ser gente
Vive e a viver se sente
Que a sentir vamos sendo gente

Porque tudo é tudo
E tudo se sente.

Wednesday, August 22, 2007

Do tempo que passo contigo
Passa-se o tempo e não há momento
De tempo cheio que entre em demasia
Neste momento de te ter um tempo
O mesmo digo a cada pensamento
De pensar breve ou pensar pousado
De estar lembrado de cada pensamento
Que pensei em ti só por ter pensado
E por ter sono, e por ser cansaço
E estar mais lentamente a querer pensar
Vejo o tempo passar e sem querer que passe
Fico ponteiro palavra adiar.

(Poema de Ana Sofia Passos, que é melhor poetisa do que eu poeta, mesmo que diga que não, quando eu digo que sim)

Monday, August 20, 2007

Rio de vento
Verde real
Silêncio que se ouve
Nos sons sem homem
Os passos esperam
Pela minha vontade
E eu tento-me ser
Árvore
Raiz
Chão
Mas o meu fruto
Não pega
Nega
E eu sou
Continuo
Homem vento
Força invisível
Abraço sem corpo
Nave sem porto
E poiso
Nos ramos
De quem me ama
Chama
Me dá corpo
Na sua rama
E beijo
Desejo
Estas vidas árvores
Que faço dançar
Resfolhar
Com meu soprar
E já sou tronco
Raíz
Chão
Pela tua mão.

Thursday, August 2, 2007

A alegria sombria
De andar contra o vento
Conversa vazia
Com quem come o tempo
Nos sonhos de amigos
Em tela esmeralda
Abraços rompidos
E gestos à balda
Fugas dormentes
Fumadas depressa
Ranger de dentes
Perder de cabeça
Que não encontrada
Anda sozinha
Na noite que é estrada
Iras da vinha
A vida é meia
Soluça a pobreza
Parece cheia
Mas bebe magreza
A lua que o tem
Maior que o olhar
Rainha mãe
De tudo largar
E esta cantiga
Que fala do fundo
Banal e antiga
E há tantas no mundo.

Monday, July 23, 2007

Respiro os mistérios dos rostos encobertos
Com olhares cemitérios e andares meio incertos
Nas suas vozes deitadas em discursos sumidos
Vejo as razões roubadas nos sermões já ouvidos

Gestos cintados a mofo da tristeza que finge não ser
Peitos largos sem estofo de tardes sem amanhecer
A vida escorre-lhes da vida com sorrisos monotonia
E o fim está sempre presente no futuro em banho-maria

Quero dar sol quero dar fruta a estes irmãos de sonhos pequenos
Que o riso não tem de dar luta e o viver não tem que ser menos
Vou pôr-me ao alto para lhes chover de cor sobre os tormentos
E dar-lhes o sonho e o salto em poemas de fogo largados aos ventos.

Sunday, July 22, 2007

O tempo
Abrupto e contundente
Larga-me em oásis de papel
Risos na noite e amor de gente
Assomos de longe debaixo da pele

A vida
Engulo-a sem querer
Porque corro de boca aberta
Danado de fome e de prazer
Sangue bem tinto e a alma desperta.

Amamo-nos
Amamo-nos, sim
Mas não falamos de amor
Como se a palavra Amor
Não fosse própria
Como se o seu significante
Ficasse aquém do significado
E o seu som molestasse o que sentimos
Sentimo-nos tão soltos, tão cheios de luz
E a palavra Amor transporta consigo o peso de amores passados
Mais o receio de um futuro que não se sabe onde nos leva
Amamo-nos, sim
E não o dizemos
Não dizemos: Amo-te
E assim amamo-nos
Na liberdade de estarmos plenos
Na felicidade de não termos palavras que nos prendam
È verdade, não falamos de amor
Porque nós fazemos amor
Nós somos amor
Falamos amor com os nossos corpos
Com o silêncio quentinho de uma noite abraçados
Os sorrisos felizes de estarmos juntos
Não dizemos: Amo-te
E ainda bem
Porque o dizemos mais
Ao nos amarmos.

Monday, July 16, 2007

You bringer of the light
Freshness of a start
Goddess of my delight
Triumph of my heart

Vision of the good to be
Priestess of pure insight
And the glory stays in me
Woman of all my night.

Insanity was my middle name
Now is not the same
Because pain brings the shame
And the glory was not in fame
But in cultivating the flame
That brings to me your name

So I have paid my due
Blood and tears a few
Lost without a clue
Life in verb undo
Now my middle name is you.

Tuesday, May 8, 2007

Amar não é gostar
Amar é gostar mesmo quando não gostamos
E amamos que quem amamos não nos queira amar.

Thursday, April 26, 2007

Olhar que olha mesmo
Que olha o mesmo
E o transforma
Só por olhar
Já que é olhar
Que por abrir-se
Dá-se
Ao que olha
E já não é olhar
Eleva-se em altar
Gesto criador
Acto de amor
Rosto em flor
Que me cria
Alivia
Novo dia
E eu
Que sou o mesmo
Já não sou
Porque me olhas
Me desfolhas
E dás-me fim
Assim
E eu volto a mim
Em passeio
De sempre cheio
Homem novo
Cantar do povo
Mar de regresso
E eu olho-me
A voltar
A cantar
Porque eu nasço
Do teu olhar.

Friday, March 30, 2007

Tu és só tu sem mais que tu
Que seres só tu é mais que tanto
E brilhas no olhar do meu espanto.

Wednesday, March 14, 2007

Sim, são estes os olhos
É este o rosto
É neste Oceano que me perco
É nesta vida que me deixo
E de estar perdido não me queixo.

Monday, March 12, 2007

Cabelo moldura
Do sorriso de criança feliz
Assomo de luz em gargalhada
E sonhos coloridos em frente ao olhar
Beleza que se sente
Que se toca cá dentro
Por nos tomar de surpresa
E nos suspende
Por um instante
Em que nos pomos em bicos de pés
Para chegar ao alto deste sorriso
Queremos ser maiores
Melhores
Mais qualquer coisa
Para estar à altura deste sorriso
Para sermos dignos de o beber em nós
Naquilo que cá sentimos dentro
Naquilo que queremos continuar a sentir
Por a ver sorrir
E somos sorriso também
Também somos luz
E somos sonho
Por nos tocar este sorriso
Que é preciso
Que é palco
Onde se vive a beleza
A certeza
A vitória de ser belo
A glória de ser simples
E simplesmente ser vida
Que convida
Que acolhe
Que desassossega
Nos dá refrega
De querermos mais
De querermos ainda
O que nos lembra que podemos ser mais
Que somos mais
Que nunca deixámos de ser
E nos lembramos de quem somos
E sempre fomos
Ao tocar-nos este sorriso
Este olhar
Este quadro vivo que me pinta
Nas cores que me animam
De poder ser feliz.

Friday, March 9, 2007

Abres o que é mais teu no corpo
Enquanto abres a alma por te dares
De arfares por me sentires dentro de ti
Por sentires que é aí que eu quero estar
Aberto porque te abro
Inteiro
Duro e suave
Forte e vulnerável
Bem dentro de ti
Enquanto nos confundimos
Em carne
Em suor
Em gozo
Em tesão
Em dor
Em lágrima
Em perdão
Em frescura de ser novo
Em morte que é vida
Porque é entrega
Porque é lonjura
Loucura
Juízo
De estar certo
O que estamos perto
E o que nos tocamos
Na carne
Na alma
No fruto que partilhamos
No amor a que nos deixamos
E na vida que já sentimos
Por nos deitarmos para dentro um do outro
Em sons de fome e de fartura
Em rosários de ternura
E sonhos de outra altura
Em que fomos mais
Em que fomos sempre
E somos agora
Estamos dentro e estamos fora
Neste aperto de aurora
Neste templo de quem se ama
Altar da nossa cama.

Friday, March 2, 2007

Era de noite
Se fosse dia
Tanto fazia

A rua era aquela
Luar sem janela
Monotonia

A fome era dela
Dor na lapela
Vazio que sentia

Olhar anteontem
Mãos que não mentem
E o frio que havia

Paredes de vento
Casa tormento
A chuva caía

Já teve riso
Já teve siso
Mulher Maria

Amou e tanto
Chorou seu pranto
Soltou alegria

Pariu e deu leite
Viveu sem enfeite
Cheirou maresia

Mulher coração
Boca sem não
A quem lhe pedia

A vida correu
O amor morreu
Envelhecia

Mudou a sorte
Perdeu o Norte
E a companhia

E sem sustento
Viver tormento
Sofreu sangria

Viveu na rua
De alma nua
Ninguém a via

Tempo inimigo
Viver castigo
Desarmonia

E agora sim
Chegou o fim
Pois já morria

Ninguém chorava
Ninguém olhava
Acontecia

Porque é que a vida
Curta ou comprida
È lotaria?

Todos nascemos
Todos morremos
Temos mesma via

Mas uns morrem mais
E sem funerais
Como a Mulher Maria.

Friday, February 23, 2007

Vieste
Como se eu
Te tivesse chamado
Por te querer
E eu que não te queria
Queria-te sem saber
Por não te ver
Por não te saber
Mas sabia
Porque te queria
Sem saber
Que já te sabia
Que já te queria
E tu vieste
Sem eu te chamar
Por eu te chamar
Por te querer
Em sonho
Em desejo
Em querer
Sem saber
Que te queria
E quis
E quero
E tu vieste
E foste
Estrela cadente
Torrente de luz
Explosão de cor
Num segundo fugaz
Mas intenso
Imenso
Contra a noite
Que se faz dia
Num momento
Que se faz tempo
Que se faz tudo
E me deixa mudo
De espanto
De tanto
E foste
Mas ficaste
No teu rasto
No meu querer
No meu sonho
E no sorriso
Que dou ao Mundo.

Monday, January 29, 2007

Tenho o céu aqui na minha mão
E nos meus olhos sopram ventos do Sul
Pelas minhas palavras nascem universos
Que se banham nos rios dos meus lábios

No abraço e no espaço do meu regaço
Estão as cortes de todos os reinos
Em prazeres mornos de verão
Sorvendo licores de Sol tardio

O meu peito é um pasto de inverno
Onde a vida nasce-se e recria-se
Fauna de cor força e movimento
Músculo sangue e firmamento

Sinto-me assim, sempre e tudo
Deus natureza, começo do mundo
Mar certeza, efeito profundo
Templo beleza, amor rotundo

Tão fácil ser mais que infinito
Tão simples ser mais que perfeito
Suspiro de fervor meteorito
Basta deitar-me no teu leito.

O tempo não sobra
Enrola-se como cobra
Tem meio de fugida
Fogo que queima a ferida

Tempo cura-me de mim
Estaciona o fim
Mantém a regra do infinito
Desdobra a regra do mito

Terei fome de sempre
Espinho de lua no ventre
Vento à frente do grito
Lago salgado de espirito

Colheita de sonhos esquecidos
Sonos verdes mal dormidos
Suspiros ternos concordantes
Das mulheres dos viajantes

Ai de mim que pobre fico
De tanto querer ficar rico.

Wednesday, January 24, 2007

Messenger

(Obrigado Ana, pela tua criatividade, e pela divertida e louca conversa que tivemos no Messenger, que de tão poética se tornou poema. Beijo meu, para ti.)


E se a vida fosse tão vida que não precisasse de ser vivida?

E se um sorvete fosse tão sorvete que não precisasse de ser sorvido?

E se um céu fosse tão céu que não precisasse de ser seu?

E se um mar fosse tão mar que não precisasse de amar?

E se tu fores tão tu que não precises de ninguém?

E se tu se fores tão ninguém que não precises de tu?

A quem é ninguém todos dão um pontapé no

Mas tu respondeste ao tu com tu... trocaste de pessoa

O teu tu não era o teu de ti

Alguém não é já gente antes de aparecer alguém

Por isso antes quero ser alguém tão alguém que alguém me aguente

Quero aguentar alguém tão alguém que de mim faça gente.

Saboreio-te em mim
Quase como se tua pele já fosse minha pele
E teu cheiro já fosse meu cheiro

No deserto da multidão continuo deitado em teu abraço
E nas conversas de estranhos sinto-me na nossa casa de amor
Embrulhado na alegria dos nossos cobertores

Vejo-te no sorriso dos miúdos felizes por jogarem à bola
E nas caras vermelhas de tanto riso
Dos amigos que lembram a alegria de ser novo

Acordo contigo sempre que respiro este ar fresco
De andar na vida mais alto que eu
Confiança serena de já ser tudo

O céu que todos olham é nosso, minha querida
Porque o criamos com nossos beijos
Nos deuses lábios da nossa paixão.

A fúria do mar
Que não é fúria
Não deixa de matar
Com a minha lamúria

O castigo do vento
Que não é castigo
Não olha ao lamento
Que trago comigo

Ai, porque dou ais ao céu
Se ele é mudo à minha reza?
Porque choro o que é meu
A quem meu chorar despreza?

Não sou mais que o cotão
Que vejo neste quarto
E vivo na prisão
De saber que estou farto

Quem me dera ser calhau
Que de si não tem saber
E que não é bom nem mau
Nem se vive a gemer

Ai, apenas estar sobre a terra
Em tom amarelo de ser flor
Sem conhecer o estar em guerra
Nem ter que procurar o amor

Ser apenas por estar ali
Na liberdade de não querer
E não viver a olhar para si
Em queixume de se sofrer.

Tuesday, January 23, 2007

A minha casa é nos abraços de quem amo
E o meu jardim brilha nos olhos de quem me quer
A cidade que percorro constrói-se nas conversas e nos risos
Avenidas de luz aberta e becos secretos que dão para as traseiras

O meu emprego é amar
É ser lírico no meio dos burocratas
E servir utopia ao balcão da vida
Mantendo conta no Banco Sentir & Companhia

Produzo momentos que não produzem
E tenho o lucro de não dar lucro
Que eu sou muito mais que o preço que me dão
E tenho muito mais do que aquilo que tenho

Sou aquilo que se é por se ser
E tenho aquilo que se tem por não se ter
Choro-me porque não sou mais, é certo
Mas tenho-me mais por me chorar

Dizem-me que não tenho futuro
Que a vida não é feita de poesias e amores perfeitos
Mas o futuro vem sempre com o amanhã
E a minha vida é mais vida no amor da poesia.

Monday, January 22, 2007

A noite está loura e a luz confessa-se em mim
Não são modernos os desejos que olho
Dentes sem uso
Vontades de morder
E uma fome gorda que espreita por de trás do sofá
Comédia de mudos debaixo do palco
Plateia de cegos virados de costas
E o assombro das palavras que não se dizem
Tudo está roto de ser e remenda-se com buracos
Abafo os desabafos dos desaforados
Desacomodam-se quando se penteiam
Em gestos presos de chatice
Arrozais de guerra no meu quarto soluçam-me de atenção
Não me deixam dormir o sonho que não quero
Mas já me durmo na insónia
Que é outro tempo do tempo que é sempre o mesmo.

Cruzo-me na cruz
Que me atravessa
Perder que seduz
Sonho que esqueça

Sou Pilatos do viver
Não sou, logo existo
Lavo as mãos de ser
Mas grito-me Cristo

De viver esqueço
Ao sonhar vida
O tempo desmereço
Não lhe dou guarida

Não sou herói da vida
Por querer vida de herói
Ando a ser de fugida
Que estar em mim dói.

Ainda hoje já foi ontem
E eu que não sou
Não sou senão eu
Em ser que não é meu

Serei em não me ser
No amanhã que já lá vai
Agora que não tem fim
Ser de tudo e tudo em mim

Não sou o que me sou
Em mim não posso ser
De mim cá estar não sou quem sou
Paro-me de mim e a mim vou

Tão difícil ser só ser
Não me ter a querer ter
De mim para mim ser mudo
E não ser para ser tudo.

A verdade é um muro
Do qual se vê parede
Do lado que nos cabe

Quem olha não sabe
No outro lado sucede
Outro sonho de futuro

A verdade encurta a vista
É opaca de certeza
Vive a alma no cercado

Mude a alma de estado
Ganhe sopro de leveza
Eleve-se em conquista

Sem parede que fira
O cá e o lá do sentir
Olhe o muro do alto

Assim, sem sobressalto
Deixa verdade de existir
Porque não há mentira.

A loucura dos loucos é a sua vitória
Dos sãos não querem a história
A loucura é a sua liberdade
Perante os fazedores da verdade

Não usam as máscaras dos conformes
Rasgaram os uniformes
Não beijam as batinas
Enxugam-se das doutrinas
Passeiam nos seus jardins
Sem motivos nem fins
Não saúdam os generais
Doutores e outros que tais
Não honram pais e mães
Do poder não estão reféns
Em nome da paz não fazem a guerra
Sabem a mentira que a sanidade encerra

Nós somos os loucos dos nossos loucos
É pena eles serem tão poucos
Se eles fossem a maioria
Cada são, louco seria.

Friday, January 19, 2007

No Oceano do não ser
Procurei a praia do eu
P’ra aprender a nascer
Viver quem não viveu

Construí-me como nação
História de grandes batalhas
De ódio levantei padrão
Foram crescendo muralhas

Ganhei fronteiras a pelejar
Em guerreira prontidão
Dei províncias a governar
A um feroz capitão

Em nome da independência
E da conquista de território
Tornou-se grande eminência
De imenso poder notório

Salvou-me de invasões
De saques de inimigos
Guardou-me os portões
Protegeu-me de castigos

Musculou-se nas vitórias
Ganhou fama de salvador
Viciou-se nas glórias
Tornou-se ursupador

Periga o seu poder
Sem castelos a conquistar
inimigos a vencer
Reinos a salvar

Velhos fantasmas assombram-no
Almas caídas em combate
Antigas fúrias tomam-no
Como sinos a rebate

Da lei quer ser regente
Governante intestino
Mandar no que se sente
Ser senhor do destino

Em guerra o enfrentei
Em emboscada ou no terreiro
Sempre a mim derrotei
Cansei de ser guerreiro

Vou lançar mão de homens sábios
P’ra aprender como se faz
Vou educar meus lábios
A saber falar de paz

P’ra ter melhor sorte
Da que me coube em mão
Convido p’ra minha corte
O meu velho capitão

Quero ter como aliada
A sua astúcia feroz
Alinhar a nossa armada
Falar a uma voz

Este poder combinado
De quem pisa o mesmo chão
Seria o estandarte içado
Na minha embarcação

Seria bela esta nave
Com rota rumo ao centro
Proa em forma de chave
Do mar que me está dentro.

Sonhar é ser
Sem se ser
Sonhar faz mais de nós

Sonhar não é viver
Mas é viver
O que se sonha

Sonhar é ter
Sem se ter
Dá mais do que não temos

Sonhar é vermos
O que não vemos
É ter olhos por dentro

Sonhar dá
O que não dá
Neste viver que é sonho.

A luz cobre o que me divide
Várias almas me assolam
Não há pena qu’eu olvide
Das várias penas que m’amolam

Tenho jeito de vagabundo
De querer estar não estando
Quero haver do mundo
As dores que lhe mando

Sou porteiro da porta aberta
Regedor sem fazenda
Nunca faço a coisa certa
Espero que o tempo se estenda

Quero servir a vários amos
Dar azo a várias cobiças
Baloiçar em muitos ramos
Sentir belezas postiças

Doem-me as coisas que não me doem
Os mares que nunca vi
As paixões que não me destroem
Os caminhos que nunca parti

Sou só um em todos os sítios
Mas sou eu em muitos lugares
Divido-me por todos os vícios
Multiplico-me por todos os estares.

Tenho-me debaixo da língua
Palavra importante que se esquece a meio do discurso
Palavra que sempre soube e esqueci de tanto aprender
Palavra que murchou no meio das palavras

Estou quase a dizer-me
Não, esqueci-me outra vez

Quando quero falar-me fico mudo de mim mesmo
Só no silêncio me escuto
Mas não tenho silêncio porque insisto em dizer-me.

Deus,
Não quero acreditar-te
Quero saber-te

No acreditar há espaço ente mim e a coisa acreditada
No saber sou-te

Ainda que te olhe como o outro que precisa de mim para ser sabido

E no entanto és tu que me sabes
Sabendo por mim que eu te sei.

Eu quero a verdade
Assim, só pergunto
Resposta não junto
Quero liberdade

Ao perguntar
Crio possibilidade
De saber verdade
De libertar

Falece a condição
Da verdade ao responder
Verdade deixa de ser
Do engano a razão

É nado-morto
Pergunta ávida
De verdade grávida
Não traz conforto

Se traz resposta
A quem duvida
Deixa ferida
Do que não mostra

Iniciação perfeita
Espera receptiva
Não de resposta cativa
Silêncio de pergunta feita

A resposta de pequenez cansa
A pergunta de verdade dá esperança.

O Amor é estranho
Quando mais o dou
Mais o tenho

Tenho-o mas não é meu
È de si mesmo, o Amor
E a si se basta

Por isso não o dou
Não é meu para dar
E já está onde o dou

É estranho o Amor
Só vem se não o quero
E não o prendo no querer

E o solto para vir a mim
Dando-o mesmo sem ser meu
A quem já o tem de seu

O Amor tem um segredo
Este dar que se recebe
É a total ausência de medo

O Amor é estranho
Se o dou e não o quero
Já o vivo e já o tenho

O Amor não se quer
O Amor não se dá
O Amor É-se

Quero não querê-lo, para amar
Quero não tê-lo, para dar .

Madrasta libertina
A esperança cansa
Não lhe peço a benção
Não quero dever-lhe favores

A esperança cobra-me
E eu pago em desilusão
Não quero esperar
Quero lá estar.

Thursday, January 18, 2007

O Brasil foi descoberto por Cabral
Os índios não lhe levam a mal
De não serem índios antes da descoberta
Levaram-lhes o mundo, como oferta
Estavam perdidos, do mundo ausentes
Viviam infelizes as suas gentes
Há milénios esperavam o navegador
Que lhes levasse a cultura do amor
Padres para ensinar o Bem
E a honrar pai e mãe

Levaram cruzes p’ra beijar
E outras a carregar
Aos que não queriam salvação
Pregavam de espada na mão
Pois com mandato de Deus
Se deve salvar os ateus

Nesta missão santa
Morreu gente, tanta
Mas antes mortos e cristãos
Que vivos e pagãos

Chegou também o colono soldado
Àquela terra virgem de arado
Mostrou à gente desgraçada
Que a terra deve ser explorada
A floresta é um abcesso
No caminho do progresso
Glória aos homens de empresa
Que desbravaram natureza
Construíram novas estradas
A buscar almas desgarradas
E botar riqueza nos porões
A bem das nobres nações
Que levaram virtude
Ao índio sujo e rude

De anos, meio milhar
Estamos agora a celebrar
De novo mundo ao mundo trazer
Que era mundo sem ser
Tristeza dos índios, que estavam sós
Não nos terem descoberto a nós.

Nunca me senti de pleno direito entre os vivos
Alguém me segurava por trás
Irritante e secretamente
Eu não conseguia passar o umbral para onde se vive

Olhei de fome o festim na firmeza das minhas metáforas
Saciando-me comendo apetite
Lástima subnutrida
Tanta barriga como olhos, palitando os dentes de nada

Comi-me nos banquetes do fingir, e dei-me a comer também
Em vénias disfarçadas de muito
Prazer do desprazer
Dos que se trocam em conversas de arrotos

Num salto de penúria rodei-me para quem me segurava
Rosto meu que lá estava
De eu para eu me virei
Não me queria vivo como os vivos

De estar e não estar ficava acordado
Umbilicalmente separado
Ver-me de não me querer viver
Só ser em desejar

Quando voltei aos comensais do come eu
Vi as mãos que os atavam
Mãos deles mesmos, como a minha
Na porta do vou viver

O meu meio-viver é quase inteiro
Porque o sei e porque o vejo
Passou-me a fome de ter fome
Vivo mais de não querer comer

Eu meio-vivo com quem já sabe
Da mão que o segura
Que é mais vivo que o que come
A fome de estar vivo.

Wednesday, January 17, 2007

Terra de muitas lavras
Gravidez inconsequente
Futuro já presente
No vício das palavras

Sou lexicodependente
Este prazer que não chega
Dormir que não sossega
Plenitude carente

Não digo o que quero
Quero o que não digo
É escrever de castigo
Já silêncio não espero

Benditas palavras mal ditas
Vingo-me do acervo
De preso estar ao verbo
Malditas palavras bem ditas

Do ser já sou turista
(Sem fim) Escrevo p’ra que chegue
Silêncio que me descegue
As palavras tiram-me a vista

Tenho dor de palavrar
É a dor que me vive
Escrevo onde ainda não estive
Só por medo de acabar.

Sombras de almas anãs
Colheitas de vozes imberbes
Lamentam-me as manhãs

Derreteu-se-me o fogo
Molhei-me de não ter sorte
Na vida em que me jógo

Desfolhei-me em mãos
Surpresas margaridas
Rego-me de nãos

Sinto-me em golpes de estado
Escrevo para estar calado.

Dizes-me
Que escreva poemas
Que tens fome dos meus poemas
E eu digo-te
Tu és poema
E eu tenho fome de ti.

Saí-me todo para ti
Em soluços de aceitação
Do que em mim há maior que eu
Oiço longe voz que se rendeu
Gemido que espanta porque é meu

Se tenho corpo é ao sentir-te
Que de mim não dou conta
Se tenho dentro está fora
E já em ti mora
Neste sempre agora

Estás tu mais eu que tu
Estou eu mais tu que eu
Não distingo o teu do meu abraço
Entre nós não há espaço
De mim em nós me estilhaço

Se em mim não estou
Em mim não mando
Estou em ti como manta
Teu respirar em mim canta
Já o querer não se levanta

É justo este repouso
De quem viveu algo maior
Nada mais é preciso
Ajeita-me a cara um sorriso
De amor não tenho juízo

Noto a chuva que cai lá fora
Ri-se o lugar comum das cantigas
De tanto dele me ter rido
No conforto estou vencido
Este é lugar comum merecido

Ah querida, deixa-te estar
Que daqui é sempre a descer
Quem desta água bebeu
Sabe que a evidência venceu
È nos teus braços que existe o céu.

O amor alivia-me de quem sou
Para eu verdadeiramente ser
Traz memória de quem já fui
Não ser, sendo, que em mim flui

Tão grande dá-se em coisas pequenas
Tira-me o que julgo não poder perder
E dá-me o que nunca sonhei ganhar
Vou-me de mim para depois voltar

O amor toca-me no fundo
E eu que sei que fundo não há
Onde sonhamos abraçados
Coração aberto e olhos fechados

Mereço-me amando
Por amor ao amor
Deixo ser como é
Em acto de fé

Não estou agora a amar
Se estivesse não escreveria
Estaria lá, em mim
Sem estar a gaguejar assim.

Primeiro encontro a sós
Tejo, rio que era nós
Som de água calmante
Memória que veio, distante

Eras tu mais rio que o Tejo
Água toda em ti em cortejo
Lembrei a sede que não sabia
Quando minh’alma de ti bebia

Sabia-te sem lembrar
Sonho doce a alcançar
De mim mesmo me fiz ponte
Para voltar à tua fonte

Em que antes da vida bebi
No tempo que não nasci
Luminoso momento sagrado
Voltei onde tinha estado

Regressei ao melhor de mim
Por tu seres rio sem fim.

Não sei que diga ou escreva
Para me livrar deste tédio
Talento não tenho peva
Escrevo sem ter remédio

Não tivesse que escrever
Para de mim intervalar
Sinal seria de viver
Sem de mim me falhar

Perdoe quem me leia
O som deste enfado
Espero que não creia
Que me gosto deste lado

Amanuense do versejar
Em quadras me suspiro
Sem ter que desejar
De viver me retiro.

Olhava o dia apenas para olhar
Doce preguiça de quem cheira o mar
Sentei-me na praia sem nada querer
O Sol em cima e a vida a correr

Mãos na areia, contente comigo
Por ter o mundo como amigo
Calma morna e sincera
Feliz esperança de quem não espera

Silêncio, vento, pele

Saltou do mar onda grande
Nela não tem quem mande
Caiu-me no corpo desnudo
Fresca, mudando tudo

Sem forma no seu abraço
Longe do tempo e do espaço
Entrou em mim, não foi convidada
Festa brilhante e molhada

Fê-lo apenas, sem saber
Pois onda viva não tem querer
Passa e molha, é assim
Sem propósito nem fim

Faz sentir, é real
Explode o bem e o mal
Não pensei, mergulhei
Porquê? Não perguntei

A praia o céu e o mar
Estavam lá e deixaram de estar
Senti na pele a verdade
Num minuto de eternidade.

Pássaro mergulhão de olho róseo
Na humidade do pasto aurora
Tilintam pios de orvalho
Em árvores sozinhas de silêncio

Não costuma ser tão novo
O dia que sobe na frescura
A soprar de luz frágil
Momento perfeição de prata

Tempo parado no movimento
Dos cascos em salto curto
Chão de céu para quem o vive
Sem pensar no viver

Em castanhos sem memória
Das águas que já lá vão
Perfumo-me de cá estar
Sabores em que enterro os pés

De raiz me deixo
Bebo-me sumo de vida
Nesta cama mundo
Coito larvar do imenso

Não há noite neste dia
Que já é há tanto tempo
E me sonha nos seus tons
Por me apanhar distraído.

Gosto da mulher comum
Anónima, passa na rua sem me olhar
Leva consigo o mistério da estranheza
E o conforto da beleza familiar

Nela todas as histórias são possíveis
Porque dela não conheço história nenhuma
Provoca surpresa erótica porque não sabe que o faz
O desejo que desperta não sei de onde vem
Comichão interior que não sei coçar

Conforta-me este desconforto
Prazer silencioso no barulho da rua
Elevo-me da multidão por me sentir mais eu
Por isso faço-me notar

Ela olha-me
Uma cumplicidade inocente retira-nos dali
Estamos num espaço só nosso
Sorri-me, não sei bem porquê
Talvez precisasse de alguém a quem sorrir
E eu estava ali
Sorriso gratuito de quem não tem razão para sorrir
É o sorriso mais valioso

Continua a andar, no mesmo passo
A vida ainda é a mesma
A multidão ainda lá está
O barulho torna

Pestanejo
Volto a cabeça para a ver desaparecer
Um sorriso resignado move-me o rosto
Moldura nostálgica do futuro que podia ter sido

Pressinto um suspiro
Abano a cabeça alegremente
Como quando se descobre a humanidade do outro nos seus pequenos vícios

Já não estou tão sério
Os meus passos cantam pela rua quando volto a andar
Contente por estar contente
Obrigado mulher comum, pelo teu sorriso extraordinário

Não sei que diga ou escreva
Para me livrar deste tédio
Talento não tenho peva
Escrevo sem ter remédio

Não tivesse que escrever
Para de mim intervalar
Sinal seria de viver
Sem de mim me falhar

Perdoe quem me leia
O som deste enfado
Espero que não creia
Que me gosto deste lado

Amanuense do versejar
Em quadras me suspiro
Sem ter que desejar
De viver me retiro.

Tuesday, January 16, 2007

A poesia assusta-me
Dá-me a saber o que já sabia
Sem saber que sabia

Dá-me a ler em local público
Tal prostituta que se despe
Sem nunca chegar a despir-se

Confunde de tanta clareza
Desmente a certeza
Promete o que não dá

A poesia sorri sem se ver
Que ver é sorrir
E sorrir é ver poesia

Mercado da presunção
Vende o poeta o que compra
Em burlas de si mesmo

Dizeres de fuga sobre o mesmo
O mesmo é a fuga que se diz
Fugir é o mesmo que dizer

Abraço de verdades congeladas
Gemido de não saber
Física de amanhecer

A poesia assusta-me
Sabe-me mais que eu a ela
E poesia é isto mesmo.

Estar comigo é sempre igual
E sempre diferente
É ver que eu sou imensa gente
Neste meu corpo que olha em frente

Estar comigo é sempre natural
E sempre pungente
Pois sou este que nunca mente
E a mentir vou estando ausente

Estar comigo é estar contigo
E estar solitário
Viver de sonhos ao contrário
Com rasgos de sentir primário

Estar comigo é amar-te
E de mim ter amor
Porque amar-te é estar em flor
Num jardim da tua cor.

Dizes que tens defeitos, que não és perfeita
Sentes-te assim, como quem se estreita
E dás-te a sentir, a medo
Do defeito queres fazer segredo

Tu és o que és, totalmente
E sabe quem sabe, quem te sente
Não te queiras onde não estás
Quere-te agora, o que te dás

O abismo entre o que és, e o dever ser
Pesa-te no riso, de fazer doer
Não vais até ti, vives-te às arrecuas
Usando as caras que não são as tuas

Corres para algo que já está aqui
Tu és o Modelo que há para ti
Deixa correr o que te está no peito
Defeituoso é quem te vê defeito.

Faço vénias de estranheza
Ao que ontem foi certeza
Do que fui já estou surdo
Lamentam-me o absurdo

Convido o pasmo a servir-me
Cegueira de vazio firme
Tiro de guerra perdida
Sangue de luta mordida

Haja vão de não saber
Fome de desaprender
Que me guie o estar quieto
De não ter chão nem tecto

É-me mais fácil o impossível
Que ter vida perecível
Sob o chapéu de outra gente
Que julga saber e a si mente.

Dói-me nos outros o que lhes faço doer
Os outros doem-se em mim por eu os viver
É meu desgosto o gosto que não lhes dou
Não me encontro quando neles não estou

Preciso que me precisem
Que seja dos outros meu fim
Que de meu ser me avisem
Que me dêem a mim.

Não penso só o que penso que penso
Há em mim muito mais pensar
Impensável imenso
Que me pensa sem eu deixar

Em pensamento não acho
Quem me pensa e dá ser
Quem me habita embaixo
E se esconde no parecer

Se penso no que não penso
E que em mim está a pensar
Fico a pensar que penso
Aquilo que não sei pensar

Esta tontura pensante
Ladainha comprida
É massa embotante
Penso na minha ferida.

Não sei que seja
Não sei que faça
Para ter o Absoluto
Que em mim se promete

Promete-se porque o quero
E porque sinto que o quero sentir

É possibilidade no meu desejo
É promessa do meu querer
É verdade na minha procura

O Absoluto quer o meu querer
O Absoluto quer que eu O queira
Porque o meu querer existe
E nada do que existe
Pode existir fora do Absoluto

O paradoxo absurdo está no querer
Porque sou eu que quero, o querer cria eu
E eu sou parcela, fracção, limite
E o Absoluto é a soma de tudo o que se soma
O Tudo É, sem haver eu a ser

Para ser Tudo não posso querer
E se não quiser não irei ter

Assim,
Quero ser nada do que me é eu
Para ser Tudo o que há a mais de mim.

Fernando, fizeste-te mais pessoa que as pessoas
Foste pelos outros para eles serem também
Sofreste holocausto no altar do ser
Cristo moderno do dar a viver

Dizes fingir o sentir
Como quem mente em verdade
Esvaziaste-te de ti como morto
Bebeste-te em goles curtos de Porto

Foste tu mais tu, por seres outros
Sou eu mais eu, por te ler.

MAR

Salgado, revolto, poderoso, tenta libertar-se das margens que o prendem, com fúria, quase com desespero, arrastando tudo em que toca para o turbilhão do seu desencanto, por vingança da mesquinhez da terra que o segura, tão imóvel e estúpida.
Não compreende, o mar, a razão de tais barreiras, que lhe travam a maré, e o impedem de estender-se pelos campos, de cobrir os caminhos, de encher os vales, e de correr...
...correr muito, até encontrar aquilo que sonha. Julga existir algures para lá do cais.
Perde, o mar, a luta contra os muros.
Esquece, o mar, que aquilo que procura pode estar para cá da estupidez.
Aprende, mar, a ganhar força nas costas que te oprimem!
Bebe, mar, os rios que correm para ti!
Ouve, mar, o canto das aves que poisam nas tuas aguas!
E sente, mar, sente sempre!
O Mundo é um pingo, tu és o Mar.

Os olhos são desertos vermelhos
Num rosto máscara de quem se abandonou
Já não se dá aos outros porque não se tem para dar-se
É um vazio forrado de esqueleto e pele
Erecto na altivez dum boneco de cera
Vivendo um sonho de que não se recorda

Os seus passos lentos e antigos
Levam-no sempre ao sítio de onde nunca saiu
Ontem, hoje e amanhã são sempre a mesma hora
A hora de viver para aquilo que o mata
Aquilo que apaga a memória de quem é
E anula a esperança daquilo que será

Talvez seja este o chuto de ouro
Aquele que lhe traga Absoluto
Talvez seja este o tal
Que lhe dê tudo, tudo, tudo
Sem nunca faltar
Talvez seja este o Pai de todos os caldos.

Mais, mais, sempre mais...
Fui educado a ser sempre mais
Mais trabalhador
Mais rápido
Mais...qualquer coisa

Tentar ser mais é sentir-se a ser menos
Tentar ser mais para ser alguém
É sentir-se ninguém se não for mais
E como se pode ser a ser ninguém?
È um contra-senso, uma vida sem vida

Então, mais, mais...
E nunca chega
Como pode chegar?
Sou-me a tentar ser mais
Se parar não me sei ser
E fica o vazio do ninguém que sou
Porque só se é alguém no mais
Mais, mais...

A pedra é menos pedra por não querer ser mais?
Será que pode ser mais pedra?
Se fosse mais pedra já não seria aquela pedra
Seria outra pedra ou outra coisa qualquer
O mais não deixa ser
O mais diz que ainda não se é
E mais, mais...

E agora aprendo a ser mais eu
Nos livros de auto-ajuda
Nas terapias de cabeceira
Nos encontros de Quinta-feira
Ser mais eu é não ser eu
Naquilo que sou eu a querer ser mais
Que raio de eu seria aquele que é mais?
Se é mais já não é eu
Tem outro eu que é seu

Mais, mais...
Este querer ser mais
Dá-me o ser de menos

Ah, se não quisesse ser mais...
Ah, não quisesse ser...
Seria Mais
Seria Tudo
Porque tudo já é Tudo naquilo que é.

Estás aqui, ao meu lado
Enquanto escrevo para ti
Neste sonho acordado
Leito que não dormi

És tu que me acordas
E me fazes sonhar
Libertas as cordas
Que não deixam voar

Acabaste de falar
Sem notar que escrevo
Tua voz a vibrar
Com frescura de trevo

Escrevo para te sentir
Neste cantinho só meu
Por te ver a sorrir
È meu escrever só teu.

Monday, January 15, 2007

Não escrevo para transmitir mensagens
Os meus poemas não têm mensagem nenhuma
Esta é a sua mensagem

Não escrevo panfletos
Não distribuo manifestos
Escrevo da mesma maneira que abro os olhos de manhã para ver o dia.

Serenas tardes
Calmas noites
Mulheres, homens
Sentindo fogo
Tristeza alegre
Do nosso povo

Somos trovadores da dor que nos é emprestada
Somos mercadores indo pela estrada
Bebendo, sorrindo, sofrendo, sentindo
A noite é nossa, o espaço é amplo
Vivamos sem mágoa a dor que afaga.

Visão dos tempos que se abrem
Em céu laranja e roxo
De nuvens castelos mortais
Sobre o peso das almas que gemem
O ar pastoso e salgado
Desespero que se reproduz
Em mares que já morreram

Ventos que levam e não trazem
Solidões em cavalos negros
Garras na lama derretida
E o murmúrio dos que partiram
Ecos que picam os que estão
De vontades de já não estar
Surdos para quem já foram

Noite sem manhã
Ruínas cinzentas ao vento
E uma solidão que não se esquece
No som sozinho dos passos
Pela vastidão vazia do absurdo
Glórias caídas em desgraça
Patéticas por estarem podres

Trovões ao longe e já perto
E a chuva que já não vem
Porque nada é o que era
O mistério do que nunca será
Aberto à minha frente
Peito com peito com o que não existe
E as mãos caídas sem acerto

Vértice de ser agora
No medo que está para vir
E tudo acabou por acabar
Sem deixar mais que não lembrar.

Recordo o rosto
Quente de Agosto
Cabelo ardente
Paz em gente
Sorriso despido
De tudo vivido
Gesto lento
Braços vento
Voz esperança
Olhar que dança
Nasceu ali
Toda em si
Apenas para o Verão
Sonho em mão
Interior externo
Memória de inverno
Que esquece o rosto
Quente de Agosto.

Não sei que idade tenho
Não conto as coisas do Mundo
Sou pequeno em tamanho
Grande em olhar profundo

Não sei as regras do deve ser
Por isso rio a qualquer hora
Também sei merecer
Minha alma quando chora

Os meus olhos de miúdo
Não treinaram a escolher
Por isso vejo tudo
Mesmo o que os grandes não querem ver

A Flor á beira do asfalto
Jardim só meu porque o vi
Pró sonho dou o salto
Se não quero estar aqui

Vivo com dragões e fadas
Brinco ao verão no inverno
Descubro montanhas nas escadas
Vivo no presente eterno

Não vivo na fantasia
O Maravilhoso é real
Que o mundo sorria
Ninguém lhe leva a mal

Parece que tenho de crescer
Ser homem grande e tudo
Mas não quero deixar de ver
Com meus olhos de miúdo

Se me querem ensinar
Não me façam esquecer o céu
Deixem-me sempre parar
Para ver um jardim só meu.

S

Sacrifico serenidades sombrias
Salteador sanguinário sou
Sorvendo singelas senhoras
Sumptuoso sobre sal
Semeio saudades serôdias
Sinistras sinfonias secretas
Sitiam sussurros sedentos sonhando ser Sol

Sou
Soldado sísmico
Senhor separatista
Solitário sensualista
Solsticio sideral

Serei
Sarcófago singular.

Tenta conhecer-me como não me conheço
Tenta amar-me como não me amo
Tenta ser tu para ser eu
Tenta o Mundo para eu tentar a vida

Adeus e até já, amor

Lembra-te de mim como do Sol que nasce todos os dias
E todos os dias morre.

Quero ser-te
Cantar-te
Colher-te
Desfraldar-te

Quero sorver-te
Inventar-te
Enrubescer-te
Versejar-te

Universalizo-te
Rimando-te
Preciso-te
Cantando-te

Neologismo-me
Letrando-te
Turismo-me
Viajando-te

Áfico-te
Porque europas-me
Mundo-te
Porque galáxias-me

Cleopátro-te
Porque egiptas-me
Idolatro-te
Porque obeliscas-me

Guerra das estrelas-te
Quando eu blade run
Greta garbas-te
Quando eu boris vian

Procuro-me
Por calor-te
Loucuro-me
Por amor-te.

Quero trincar
Degustar e engolir
A Maçã da Sabedoria

A Maçã que me proíbem
Dá-me a mim
E eu quero ter-me

Preciso que a Eva em mim
Liberte o meu Adão
E o faça andar de pé

Não quero Deuses que proíbam
Têm medo que eu seja
E isso é não ser Deus

Deuses não têm medo, São
E São através de quem É
E quem É, É Deus

Eu sou Filho
E o destino de um Filho
É crescer até ser Pai

Eu Sou
Deus É
Eu sou Deus.

O teu olhar sopra em mim
É difícil prender olhar assim
Não posso fechá-lo com corrente
Deixo-o soprar, simplesmente

Prefiro transformar-me em vela
Para que teu vento bata nela
Ajusto-me ao soprar, a cada instante
Para do teu olhar me tornar amante.

Não te quero
Por isso amo-te
Já te quis
Não te amava

Queria-te
E querer é faltar qualquer coisa
Que satisfaça o querer
Encha o vazio do que falta

No querer está o desejo de ter
Torna-te coisa que se tenha
E que se tem medo de perder
Ou de não vir a ganhar

Este medo dá-te prisão dourada
No querer de quem te quer
Que corta as asas de quem és
Não vás fugir no teu voo

E tu tens que te voar para seres tu
No espaço de céu que te vives
Longe de quereres que não queres
E de amores que não amas

Nesse voo em que te és
Sobrevoas não me amando
Por isso não te quero e amo-te
Amando que não me ames.

Alguém de mim usa com orgulho
A medalha da humildade

De ter amor ao poder
Perde o poder do amor

Tem tanto de si
Que a si não tem

Cospe no que quer
Porque vive de querer

De tão simples, é impossível a verdade
Escorrega, não tem complicação onde agarrar.

Sabeis senhores quem sois
Sem as vestes que usais?
Como ficareis depois
Nus como animais?

Despi-vos de nobrezas
Largai vossas carteiras
Perdei vossas certezas
Baixai vossas bandeiras

Deixai-vos estar nus
A sós convosco
Apresentai-vos à luz
Sem olhar fosco

Todos conheceram parteira
Cara que viram primeiro
Mas a face derradeira
Será aquela do coveiro

Sois diferentes em adereços
Coisas doutas e habilidades
Pagais diferentes preços
Ao comprar identidades

Mas todos usam penico
Seja d’ouro ou de cartão
Faz o pobre e faz o rico
E limpa com o que tem à mão

Adornam-se de banalidades
De esforços para ser
Fazem guerras de vontades
Grandes lutas a vencer

Fiquem nus de pança ao léu
Não tapem a vossa vergonha
Só andam debaixo do céu
Até que a morte a mão vos ponha

Mirem-se bem, tudo a nu
Não são assim tão importantes
Todos têm boca e cu
E na vida são passantes.

No minuto infinito
Condensa-se o ser
Sinto quando permito
Deixar-me conhecer

Angústia de ser em memória
Fuga de enredos meus
Ser apenas em história
É fechar os olhos a Deus

Desejo de perfeição que esquece
Dor do oposto vivido
Luto que não fenece
De tudo o que é querido

Querer mais do que é
Servir a dor do desejo
Torna a vida ré
De tudo o que almejo

Não fico pelo que sou
Nem sou pelo que fico
A vida já se gastou
E eu o simples complico

Quero aceitar o real
Deitar-me no seu leito
Conflito fundamental
Não aceito que não aceito

Ser não querendo ser
Não sendo e querer
Pela vida me estendo
Vivendo o não viver.

A Dinastia de Ser Feliz
Tornou-se a casa reinante
Na alma que é o meu país
E onde vivo como infante

Neste reino de alegria
Sem muralhas ou castelos
Vivem lendas hoje em dia
E poetas sempre belos

São novas as catedrais
E os sinos que lá brilham
Lançam rimas os jograis
Em canções que maravilham

E as ruas que são sorrisos
Trazem gentes de mundos novos
Outros olhos são precisos
Para a luz dourada destes povos

Os rostos que me abraçam
São novos porque os vejo
Outras vidas em mim passam
Neste ser feliz em cortejo

Novo mundo no meu mundo
Chegou o teu reino a mim
És tu que me dás a ver profundo
Neste reinar de que sou Delfim.

Escrevo para dizer
Que só o silêncio
Pode falar
O que é ser

O ser não fala
Ouve-se
Quando nada se ouve
Quando nada se escreve

A palavra é pouca
É um inevitável menos
Do que aquilo que quer dizer
Fica sempre a meio caminho
Para aquilo a que quer dar ser

A palavra quando fala
Deixa sempre por dizer
O todo que o ser está a ser
E que é tudo em si o que tem para ser

A palavra não chega
Diminui o que é completo
Mas o seu ruído de ficar aquém
Torna o silêncio sempre novo

O silêncio nasce (e renasce)
Onde morre a palavra
São condição um do outro
E por isso falo
E por isso escrevo
Para me calar a seguir
E ouvir o que se ouve
Quando nada se ouve
E tudo se é

O silêncio não prende o ser
Ao limite da palavra
O silêncio liberta
E devolve o tudo
Ao que é

Vou já a seguir calar-me
E quem me lê vai deixar de ler-me
Aí, partilhemos o silêncio
Porque é completo, nada lhe falta

A palavra quer ser
O silêncio já é.

A vida é feita de pequenos nadas, dizem
Fala-se da vida como de um queijo, daqueles com buracos
Como se a vida fosse qualquer coisa, feita de coisa qualquer
Pensa-se na vida como feita, como tivesse fábrica que a fizesse
É que vivemos no mundo onde tudo se faz, e muito, com medo de não haver que chegue

Mas a vida engana quem faz
A vida é nada de pequenos feitos.

Dobrei a esquina e vi-me a alma
Que não sabia onde andava
Do segredo dei-lhe a palma
De ser eu não se queixava

Não lhe vi querer que eu soubesse
De tanto olhar já me dormia
Sonho breve de quem já esquece
Que alma sou e não queria

Tenho esquinas a dobrar
Mudo a rua do que me estranha
Transeunte do não parar
Para que a alma não me venha

Em exílio dou-me espaço
Crio o meu próprio estado
Em deserto fogo e abraço
Rir de viver desalmado.

Estou de joelhos
Para não cansar
Os sapatos velhos
Que não sei largar

Rezo como intervalo
Espaço na glória
Desci do cavalo
Que usei na vitória

Olhos de espada
Cabelo de cota
Lua fechada
Velas da frota

Costume inédito
Dar-me ao chão
Carne em frémito
Sorriso vão

Estou-me em altura
Ontem à frente
Dor que cura
Tentar ser gente.

Sunday, January 14, 2007

Não vás embora
Porque se fores ficas cá
No que sinto por ti
Na tristeza de não te ver
Na dor por teres partido

Não vás
Porque eu sou impotente
Para mandar embora
A presença da tua ausência
O estares comigo
Por não estares comigo

Fica
Dá-me a tua presença
Dá-me o suspiro
De acordar a teu lado

Fica
Quero sentir que estás comigo
Mesmo quando não estás comigo
E ver-te em mim sem te ver a ti

Fica, não vás
Porque se fores
Eu irei contigo.

POETAS MORNOS

Orpheu beijou-me em Almada
Deixou-me Negreiros no peito
Sou Pessoa sem gente
Causa sem efeito.

Penetrei-me e não soube
Que o vento mascarou de Tudo
E de Nada
O que se deixa penetrar
E que é
Para ser
Penetrado

Sou
E penetrei-me
Ao penetrar o Universo.

Friday, January 12, 2007

Mantenham-se juntos nesse mar
Eu que o riso se atrapalha envolto na fumaça
Sobre a muralha de areia que é o destino
De quem vive só para morrer

A estrela dessa rua onde moram
Saltita pelos carris do eléctrico
Enquanto a chuva se demora a cantar
Nos cabelos de quem se apanha a amar

Em solo de campanha sangrenta
Dos gritos das varinas encarnadas
Vesgos que são poetas
Soletram as sopas de letras que não comem
A riqueza não dá para mais
Pão que se desfaz no sereno
Das áfricas de Lisboa

As janelas enriquecidas
Dos que fizeram fortuna noutras costas
Tremoceiros magricelas
Ás portas das igrejas sem santos
E estendais de roupa preta

Ventania que leva o riso
Repartida por quem pede
O sono da alvorada primeira
Flores nas mãos dos peregrinos
Joelhos a sangrar de martírio

Com as damas nos salões
Vestidos menores que se aprendem
Na certeza das solidões
Junto aos barris da vida
Tudo satisfaz quem olha
E chama quem está perto
Porque viver são coisas pequenas
E nada tem de fazer sentido.

Existe um vento que me despe
Me desprende de mim
Me eleva na nudez

Vento que navega o Sol
E trás os mares consigo
Marés vivas que me banham

Vento poder sideral
Que me solta em equadores
Portos meus onde não estive

Vento montanha que me sobe
Por ravinas sem mapa
De tão fundo eu me sinto

Vento sorriso arco-íris
Que põe primaveras em mim
Nos vales que tinha perdido

Vento Tu que eu amo
E me sopra para onde lembro
Que por ti também sou Vento.

Força da minha carne
Choro por ti no meu desejo
Que desejo não chorar

Tenho-te vida por seres tu
Tenho-me eu por seres tu
Não te tenho por seres tu

Ausência tão presente
Mim que de ti se sente
Senti o estar sem ti

Esfomeado de quem és
Não te quero sem ti
Alimento-me da tua fome

Deixa-te estar onde és
Não me venhas sem ti
Que de ti quero-te a ti

Amo o cá não estares
Porque amo tudo de ti
Mesmo o vazio que deixas quando não estás.

O que sinto que sinto
É um sentir com sentido
Por te sentir, não minto
De me sentir cumprido

Sinto e quero sentir que sinto
O que sinto por te sentir
Sangue vermelho tinto
O coração a abrir

Senti que sem ti eu sinto
Sentir que não é sentir
É mais um estar faminto
Um estar não estando sem ir

De sentir tanto que sinto
O que sinto por te sentir
Novos céus eu pressinto
Caminhos alma a florir

Sinto este sentir que sinto
E é sentir que jamais tive
Nunca se conhecerá por extinto
Tão grande sentir em mim vive.

Voltámos as costas um ao outro para nos vermos
No sentido de não fazer sentido
Para sentirmos o que há a ser sentido
Toques de longe de querer sem querermos

A tua face longe que eu quero
Vejo sempre no que vejo
Olho o mundo em tom beijo
Beijar-te a ti me espero

Viajo-te no barco da vontade
Ventos de ti me bolinam
Mares frios me ensinam
De ti ser deus da saudade.

E a chuva que não pára
Como se nunca tivesse deixado de cair
Desde que me lembro
Começou a chover quando abri os olhos
Berrando por me querer ir embora
Ainda tenho o sabor do sangue na pele
E nas noites que não durmo
E a chuva que não lava
Nem apaga
Não sei bem o quê
Que não me deixa
Mas que me lembra chuva
Que vejo lá fora
E sinto cá dentro
Não sei
Nem sei se quero saber
O que me chove
Me afecta
E infecta
Desperta
Na noite que não passa
No sonho que não lembro
E chove lá fora
Força que se deixa cair
E eu cá dentro sem dormir.

Thursday, January 11, 2007

Em toques de riso dancei-te na minha fronteira
Na alegria de ter sido descoberto
Por me ver nos teus olhos

Tão bom levantar-me até mim para estar contigo
Feliz por descobrir que já sabia
Que em ti me sou

Abraças o quarto dos brinquedos da minha alma
Onde o menino triste se lembra da cor
Por lhe soprares o pó

Com lágrimas de sol aguaste o gelo do outro inverno
Bebo a esperança de não ter mais sede
Ao dizeres a fonte minha

Se mais não vir o rosto que te veste agora
Minha deusa de mim próprio
Que me veja com teus olhos.

Tapetes de coragem e tempo
Copos de choro sobre a mesa
Onde se come alegria e luta

Cama amor, descansa a alma
Candeeiros de luz esperança

Janelas sobre o amanhã
Ontem nas molduras nas paredes
Risos secretos nas gavetas
Histórias a dourar no forno
Pão suor em fatias

E tu querida, em olhares
Que lavam o soalho que me tem
Arejas as salas que sinto
Da casa vida que é minha

Porque eu mereço, e já é tempo.

Riu alto para não ouvir o choro
Que lhe pingava dentro

Bebia aflito o mundo
Porque não podia com ele
Fundo atrás de fundo
De copos e viver

Bebia o velho negrume
De não saber ser
De não ter queixume
E só saber queixar

Loucura acelerada, medo de parar
Outra garrafa, talvez conforto

De si mesmo aborto
Navega sem porto

Ri alto outra vez...e mais um copo.

Vivo na fé de ti
Prosto-me no altar dos teus olhos
Quando me perco entre escolhos
De males que não pedi

Santificas-me com prazer
Rituais de pele e lábios
Suspiros astrolábios
Mapas de quem quer crescer

Louvor de religião profana
Mistério de cidade santa
É meu corpo que em ti canta
Glória aos véus, hossana

Invisíveis os salmos que te escrevo
De máscara as letras que aqui ponho
Descerão em ti no tempo do sonho
Sem segredo deles não me atrevo

Estou em amor peregrino
Buscando Graal no teu peito
No caminho mais estreito
Heróico feito o meu destino

Alegria ingénuo do acordar
Catedral de riso em coro
Procissão de mãos dadas no choro
De quem não quer mais que amar.

Sinto que já soube
Sinto cá atrás, lá longe, ao pé de mim
Parece que esqueci, mas de esquecer não lembro
Não sei se esqueci que esqueci
Ou se já só vivo de querer lembrar
E não lembro de viver.

Quero escrever, preciso
Escrevo o que estou a escrever
Não para dizer algo de interessante
De novo, sublime, ou poético
Escrevo porque preciso, agora

Tentei escrever algo que tocasse as pessoas
Que tivesse força mítica ou filosófica
Ou beijasse o sentir de quem me lesse
Mas não consegui

Assim escrevo isto por carência
Como o dependente em ressaca
Que chuta droga sem qualidade
Na ânsia da satisfação

É assim o meu vício
Uma fome de sempre e de muito
Que tenta saciar-se nas migalhas
Que caem no chão desta página

Vou continuar com fome, eu sei
Vou ressacar outra vez
Mas estas migalhas que escrevo agora
Têm a memória do pão de onde caem

O pouco lembra-me o sabor do muito
E assim escrevo este nada
Para poder sonhar com o tudo
Que irei escrever sempre amanhã.

Eu escrevo muitas vezes sobre mim

Eu, que escrevo, sou o mesmo sobre quem escrevo?
Precisa haver espaço entre eu que observo, e mim, aquele sobre quem escrevo

Se existe espaço entre entre eu e mim não faz dois?
Então não sou eu que escrevo, ou não é sobre mim que o faço

Por isso eu nunca escrevo sobre mim
Escrevo sobre o outro a quem chamo eu.




A QUEM CHAMO EU.

Galopas o teu cavalo querer
Na margem do rio vermelho
Onde estátuas de tanto sentir
Estão quietas de não fugir

Teus olhos futuro trazem ver
Em sonhos vitória para sempre
Na mão em riste a tua lança
Arma Sol de cor esperança

Cabelos força dão-te coroa
Manto negro largado ao vento
Do corpo régio que te és
Botas de ouro nos teus pés

O dia é mais dia por onde passas
Galope fêmea de todos os tempos
Deixando castelos que encimam o mundo
Nos reinos que crias de quem é profundo

Mulher galope em terras vivas
Luta que luta para não mais lutar
Pelos estandartes que não são seus
Em guerras derrota para cá de Deus

Com sorrisos milagre por armadura
Mulher História em actos nobreza
Vento mudança de quem te ama
Sopro vida na minha chama

É tempo de paz no teu galope
A tua glória é seres quem és
Sem esforço de guerra na tua arte
Fizeste-me cavaleiro do reino amar-te.

Existo-me na impossibilidade do amor
Alimento-me da fome que me engorda
Suspendo-me em quereres que não passam
Porque não sou , sendo o querer

Tenho-me sido querendo
Em ter, não me seria
Seria o que realmente sou
E eu sou-me em não me ser

Sou-me na impossibilidade de mim
Sou o projecto de vir a ser
O futuro que não será
O amor que não virá

Quero-me a querer
Sou possível na impossibilidade
Amo querer amar
E amo o amor que não amo.

Tuesday, January 9, 2007

Beijo-te como quem come
Para tornar tua carne
Minha carne

Quero-te dentro em mim
Enquanto entro em ti
Em eus de avesso

Estás quente, quente
E o suor que é rio
Da lava que me explodes

Dói-me o que te quero
E dói-me o que te entro
Termómetro da minha febre

Meio escuro meio luz
Aperto-te entre mim
No que me apertas em ti

E vejo, eu vejo
Esta mulher a quem beijo
Por te beijar assim

És tu, mulher que eu quero
E beijo-te porque te quero
E quero-te para beijar assim.

Ser livre
Não é ser livre de alguma coisa
É não ter alguma coisa de que ser livre.

Quase brilho
Vulto atrás da cortina
Catedral de pedra vento
Sonho esquecido sem saber
Luar em fundo de poço
Estendal de murmúrios
De teatro que se suspeita
Segredo de porta fechada
Carta de amor que não veio
Tela em branco quando o pintor morreu

É assim que me adivinho
No quase ser do que podia ter sido.

Monday, January 8, 2007

Teremos na mão a verdade
Quando não tivermos vontade
Os olhos fecharmos
E com a noite contarmos
Perdidos em momentos
Viajando com os ventos
Alma escancarada ao mar
Forte impulso de estar
Boca firme de desejo
Pele molhada de beijo
Trigo de ventre aberto
Lonjura de estar perto
Chuva branca de jasmim
Principio que não tem fim

É nisto que está o verdadeiro
Em cada momento derradeiro.

Seduzes-me porque não me seduzes
Tocas-me porque não me tocas
Sinto-te no que não fazes, fazendo
És, e chega, que é tanto
E este poema escreve-se sem mim
Que eu não sei parar o que me escorre da alma
Porque transbordei-me de ti.

Saturday, January 6, 2007

TERNOGRAFIA

Teus cabelos pingaram sobre o meu peito
No meio de um arfar rarefeito
Beijaste-me a testa de mansinho
Como taça branca despeja o vinho

Sorriste com olhos entorpecidos
Pingos de sangue por amor vencidos
A nossa paixão feroz, saciada
Levou-nos à paz, à enseada

Nossos corpos, ardentes sóis
Rolaram de bordo nos lençóis
Separados de corpo, não de alma
Permanecemos juntos nesta calma

O imenso silêncio que nos olhava
Tocou-nos de eterno, pois amava
Neste subir inerte, tão profundo
Deixou repente d’haver mundo

Ficámos sós, a respirar
E o divino, longe, a invejar.

Lá, onde a liberdade é não pensar em liberdade
As coisas são o que são, sem murmúrios
Sem nada que as separe do que é ser
Nem mesmo o saber que são

E a vida não tem quem fale dela
E se esqueça de viver
Com fome de sim e de não

Lá, onde não há aqui
Os olhos abrem e fecham
Sem nunca deixar de ver
Que o céu é chão

E as palavras são só isso, palavras
Não há vontade de as escrever
Porque entopem o coração.

Hoje estou em dia não
Era quarta-feira quando acordei
Mas o dia ficou teimoso
Dia não

Gosto do dia sim
Do dia talvez
E do eventualmente

Não gosto do dia não
Não dá para conversar com ele
Sem ficar com dor de cabeça.

Friday, January 5, 2007

Procurei-te em sonhos esquecidos na vertigem da dor
Lancei-me na conquista de partes de ti onde não estavas
Lutei com a noite e com o demónio da tua ausência
Estilhacei-me em escombros de mim mesmo, por ti
Marquei a carne com o aço fervente da minha fúria
Beijei a morte com a paixão do desespero

E morri…

Acordei como flor vermelha hasteada em frente ao Mundo
Para teus olhos verem, meu amor
Por favor não me colhas
Cresce comigo.

Ser livre
Ser tudo
E tudo poder ser
Ser mar
Ser Mundo
E nada ser não ter

Viver o sonho
Comer a vida
E ter o céu como corpo
Saltar o nunca
Furar o não
Mudar destino com um sopro

E ter, ter, ter, ter
Tanto que não haja mais a querer
Nada, não ter mais nada a ser
Movimento absoluto de não fazer

Não ter limite, nunca
E ser, só sendo, a viver
No todo que me espera
De não ter dia de morrer.

Nunca te beijei
Mas já te beijei tantas vezes
Em sonhos de mel desejo
Suspiro em forma de beijo

Nunca te beijei
Mas beijo-te a todo instante
Em sorrisos que me sinto
Novos quadros que me pinto

Nunca te beijei
Mas beijo-te para sempre
Sem futuro que eu tema
Beijo em forma poema.

Nunca te vi, mas sinto-te em mim
Como palavra que já soube e esqueci
Como palavra debaixo da língua que quero lembrar
Palavra que, sei, eu soubesse, traria todas as palavras
As palavras que falam do riso
As que falam do prazer
As que falam do que tremo quando me escreves
E aquelas que falam do tanto que sonhei contigo
Sem te ver
Sem saber
Mas sabendo
Que um dia te lembrarei
Na alma
No corpo
Naquilo que não sei dizer
E recordarei quem tu és
E recordarei quem eu sou.

É tão grande o mar que tenho dentro
Tão grande, tão grande
Por vezes afogo-me nele
E já não sou eu
Neste mar que é meu
Mas que me é tão estranho
E tão cheio de tudo e de tanto

Este mar que não sou eu
Navega-me por ser seu
Tudo o que já me doeu

Tão grande, tão grande
Este mar impossível
Este mar sem praias
Que me dissolve
E me resolve
E me deixa sem terra
A meio caminho do céu

Este mar é grande
E eu, tão pequeno
Sou tão grande
Por este mar estar cá dentro
E me dar a ser mais
Do que aquilo que eu sou.

Adoro o Sol dos teus olhos
Suspenso no céu de quem és
Vivo religião antiga e natural
Sem escrituras que me guiem
Neste sentir de começos primordiais
Universos criados sobre o teu sorriso

Adoro esse Sol no templo que me sinto
Em liturgia sempre nova
Nunca lá fui
( E sempre lá estive)
Ao Sol dos teus olhos

Tenho medo de Ícaro
Quando o olho de olhos despidos
Vou tão alto que caio de mim
Vejo-me tanto que não me conheço
Sou tão eu que pareço outro

Preciso desta religião
Torna-me santo de mim mesmo
Sou sacerdote e noviço
Para adorar o Sol dos teus olhos

Em mistério sagrado da fé
Olho o Sol de frente
Com olhos abertos e francos
Revela-se o milagre
Em força sobrenatural

Quanto mais olho este Sol
Mais sou e mais vejo
E mais sei que quero ver.

Não te vou perder
Porque nunca te tive
Não és coisa minha
És alma do vento e do espaço

Nunca te tive
Nem te vou ter
Mas tenho-te mais
Do que aquilo que é meu.

Há poemas que não escrevo
Porque não lhes toco
Ou não me tocam eles
E andam por aí
À espera de serem escritos

Por vezes roçam-me a superfície
E quase os sinto
E quase os escrevo
Mas não se deixam saber
E fico amnésico duma lembrança que nunca tive

Às vezes começo-os e não os acabo
Como se conhecesse um rosto ao longe
Mas que é estranho quando lá chego
E não acontece a conversa
Que era suposto ter acontecido

Outras vezes nem se começam
Mas vêm tão perto de começar
Que fico inquieto e estranho
Mudo, em frente ao papel
Em tensão de acontecer que não acontece

Nestes momentos escrevem-se em mim
Vontade de qualquer coisa
Qualquer coisa na vontade
Que não é
E é por não ser

Escrevo este poema
A todos os poemas que não escrevo
Dando-lhes existência porque os falo
E os sei sem os saber
Por saber que nunca os saberei.

Poesia

A minha casa é nos abraços de quem amo
E o meu jardim brilha nos olhos de quem me quer
A cidade que percorro constrói-se nas conversas e nos risos
Avenidas de luz aberta e becos secretos que dão para as traseiras

O meu emprego é amar
É ser lírico no meio dos burocratas
E servir utopia ao balcão da vida
Mantendo conta no Banco Sentir & Companhia

Produzo momentos que não produzem
E tenho o lucro de não dar lucro
Que eu sou muito mais que o preço que me dão
E tenho muito mais do que aquilo que tenho

Sou aquilo que se é por se ser
E tenho aquilo que se tem por não se ter
Choro-me porque não sou mais, é certo
Mas tenho-me mais por me chorar

Dizem-me que não tenho futuro
Que a vida não é feita de poesias e amores perfeitos
Mas o futuro vem sempre com o amanhã
E a minha vida é mais vida no amor da poesia.